Litoral Norte: Mulher que asfixiou recém-nascido será novamente julgada por decisão da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
A ré, que havia sido sentenciada a 27 anos de prisão por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, poderá agora ser julgada sob a tipificação do crime de infanticídio, conforme acatado por unanimidade em sessão realizada nesta quarta-feira (23/4).
A decisão veio após o relator da apelação, o Juiz Convocado Orlando Faccini Neto, acolher o recurso apresentado pela defesa da acusada, que questionava a validade do júri realizado em 2 de junho de 2023.
Segundo o magistrado, os jurados desconsideraram provas contundentes de que a ré teria agido sob influência do estado puerperal, condição reconhecida pelo Código Penal como circunstância específica para caracterização do infanticídio, com pena mais branda e adequada à situação.
O juiz apontou que a negativa dos jurados à influência do estado puerperal contraria de forma manifesta as provas dos autos.
Para ele, os indícios dessa condição são fortes, especialmente diante da complexidade emocional enfrentada pela mulher, que ocultou a gravidez de seus familiares e passou por uma experiência traumática no parto.
“O que recolho dos autos é, ao contrário, fortes indicativos do estado puerperal, numa gravidez que, tragicamente, apresentou-se, para a acusada, como um suplício a ser escondido de seus familiares e cujo desfecho trágico culminou na morte de uma criança que acabara de vir à luz; num tal quadro, sem o afastamento cabal dos corolários do problemático puerpério, não era, por evidente, de impor-se como consequência a ausência de qualquer punição. Há previsão específica para o efeito, com pena mais balizada e proporcional à dinâmica do caso concreto, que não é daqueles em que se possa intuir tenha a acusada, mãe da vítima é bom lembrar, atuado por espírito de emulação ou buscando satisfação ou qualquer tipo de prazer”, ressaltou.”, afirmou.
A decisão do relator foi acompanhada pelos Desembargadores José Conrado Kurtz de Souza e Marcelo Lemos Dornelles.
Assim, o julgamento anterior foi anulado, e um novo júri será realizado para reavaliar o caso à luz do crime de infanticídio.
Litoral Norte: entenda o caso
Segundo o Ministério Público, o crime aconteceu em 11 de junho de 2017, na Comarca de Tramandaí.
Na noite dos fatos, a mulher, então com 28 anos, entrou em trabalho de parto no banheiro da residência onde vivia com o companheiro e outros parentes.
Após o nascimento, ela teria inserido uma bucha de papel na boca do recém-nascido, provocando a asfixia.
Em seguida, o corpo foi envolto com a placenta, colocado num saco e escondido dentro de um armário.
No dia seguinte, o saco foi jogado no lixo, onde acabou sendo encontrado por um catador.
A acusação também revelou que a mulher escondeu a gravidez utilizando faixas abdominais e protetores de seios, e que, durante o interrogatório, afirmou ter enfrentado um quadro depressivo e ter dúvidas sobre a gestação, pois não sentia os movimentos do bebê.
No dia do parto, relatou sentir-se mal e ter ingerido um medicamento oferecido por uma familiar.
No júri realizado em 2023, a mulher foi condenada a 27 anos de prisão — 24 anos pelo homicídio qualificado, considerando motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima; e 3 anos pela ocultação do cadáver.
Com a reclassificação do crime para infanticídio, a pena poderá ser significativamente menor, já que essa tipificação leva em conta o estado mental e emocional da mãe no momento do parto, reconhecendo que o estado puerperal pode afetar sua capacidade de discernimento e controle das ações.
A nova decisão ainda admite recurso por parte do Ministério Público, mas por ora, o novo julgamento está confirmado, representando uma importante reviravolta em um dos casos mais impactantes registrados no litoral norte gaúcho nos últimos anos.