Mar da Serenidade – III
Descobri, nos escaninhos da eletrola que pertencera a meu avô, alguns discos de sua coleção. Optei pelo Adágio em Sol Menor para Cordas, de Albinoni. Casava bem com meu estado de espírito. Por isso, nesta manhã, decidira permanecer deitada na rede segura aos ganchos, enferrujados pela maresia, parafusados nas balaustradas do avarandado de frente para o oceano.
Foi somente no final da tarde deste dia, quando distraída eu caminhava – os pés descalços sobre a espuma que o mar lançava à beira da praia –, que o Arlequim invadiu minha solidão. O passeio era, na verdade, a justificativa para o ardente desejo de ver de perto o Nadador.
O farsante Arlequim, inconvenientemente, surgiu por detrás de uma pequena duna no exato instante em que me permitia enlevar ante o esplendor do pôr do sol.
Trajava, como sempre, a multicolorida fantasia de retalhos de seda triangulares, desfazendo o encanto daquele momento único. Cumprimentou-me com salamaleques e, em seguida destilou o veneno da ironia com que, em algumas ocasiões, ele se comprazia em me fazer de alvo.
– Expurgando as culpas? – Girava com destreza entre os dedos da mão o pequeno e inseparável cetro, em que a cabeça de um curinga despontava numa das extremidades. Ele se valia desse malabarismo para dissimular o risinho demoníaco.
– Bem sabes que não se trata disso! – bradei com toda a minha raiva. Tinha ímpetos de agarrá-lo pela gola da fantasia e o afogar na primeira onda.
Como se adivinhasse meu pensamento interrompeu o exibicionismo, repetiu a ridícula mesura e enfurnou-se pelo mesmo cômoro de onde viera.