Colunistas

Máscaras

“Saudade? É essa ínfima ferida
– felpa do tempo, deixada.”
Delalves Costa, in “Considerações pré-maturas e outras ausências.

Se quiseres saber o caráter de um homem (ou de uma mulher), pergunte a ele(ela) que lembranças tem de seu pai(mãe). Peça que lhe conte a sua história, sem máscaras, sem disfarces. Perceba, então, a luz (ou o opaco) de seus olhos, o tom de sua voz, e se as remembranças fluem fáceis, sem descaminhos da memória.

Se quiseres medir o caráter de um homem (ou de uma mulher), não indagues “quem” ele(ela) é, mas de suas obras; não as “construídas” com recursos materiais que sequer são seus, mas as que a generosidade contemplou, longe do orgulho e da soberba de se “auto-presentear” num dia de festa qualquer.

– “João é homem; todo homem é mortal; logo, João é mortal!”. Este exercício do silogismo aristotélico não é privilégio de ninguém! Quem, no recôndito da mais humilde tapera, ouvindo o pio da noctívaga coruja, ou o bramir das ondas na rebentação, já não “descobriu” a si mesmo ou ao próximo: – “Maria despreza seu pai; o pai de Maria é homem; logo, Maria despreza os mortais”.

O que me leva, enfim, a estas introspecções? Talvez a ausência de visitas de muitos dias à minha velha mãe, ou as saudades de meu pai que, vez ou outra, bate à porta em horas noturnas.

Com ele há muito estou reconciliado: divergíamos, sempre, no mundo das idéias. Nos afetos – não me envergonho dizer – fomos soberanamente ricos. Aos domingos, servia-nos, a mim e meu irmão, o café na cama. Minha mãe, mantivêmo-la, até seu limite extremo, nos seus domínios. A clínica, criteriosamente escolhida, restou como caminho insofismável.

Não sou “Madre Teresa de Calcutá”, ou um Mahatma Gandhi; tenho meus assomos de egoísmos, alguma soberba, até. Dispenso, no entanto, o confiteor. As reflexões, sim, são frutos da inversão dos valores éticos, morais e, sobretudo humanos a que hoje, complacentes, assistimos, através de todos os meios de comunicação.

Que forças estranhas nos impelem a elegermos para conduzir os destinos de uma comunidade homens(mulheres) que ocultam, nos mais sombrios escaninhos, suas raízes, suas origens; que, sem qualquer constrangimento, bateram a porta do salão paroquial, deixando à margem da festa alguém que, em última instância, sem este nada teria acontecido?

Resta-nos o pensamento de Descartes “Penso, logo existo”, através do nosso mais soberano direito de cidadãos democratas: o voto! E a eles? O disfarce de um irreversível e tardio arrependimento.

Se é que eles conhecem tal sentimento.

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