Medicina através do tempo – Jayme José de Oliveira
A medicina já foi definida como “um conjunto de verdades provisórias”. Por isso mesmo ela se presta a mudanças de conceitos e condutas, na dependência do seu estágio de desenvolvimento e do embasamento teórico de que dispõe para fundamentar a prática médica. Por outro lado, por mais científica e técnica que seja jamais consegue desvencilhar-se do seu componente de subjetivismo.
Quando as doenças eram consideradas um castigo que os deuses impunham à humanidade pelos seus pecados, os sacerdotes, curandeiros e charlatães se arrogavam o poder de curá-las ou interceder perante as divindades. Em todas as civilizações, mesmo as mais incultas. O curandeirismo é tão antigo como as doenças.
O homem sempre acreditou numa força invisível capaz de curar com um simples gesto ou toque de mãos. O grego Hipócrates, o pai da medicina, considerava a cura pelas mãos prática natural. Os primeiros cristãos achavam que era manifestação do Espírito Santo. Durante séculos tal prática sobreviveu e 43 praticantes chegaram a ser considerados santos.
Na Idade Média caíram em desgraça e seus poderes atribuídos ao diabo. A partir de 1136 os monges foram impedidos de exercer atividades médicas e quem tentou driblar a proibição foi parar na fogueira, assim como as feiticeiras.
Nos tempos modernos o princípio do magnetismo, teoria surgida no século XVIII tornou conhecido o médico alemão Franz Anton Mesmer. Na Rússia Rasputin influenciou os czares e seu poder era incalculável. Médiuns espíritas alegam que incorporam espíritos de médicos já falecidos e, em todos os países, têm seu séquito de seguidores. A medicina atual proclama o valor da psicologia no tratamento e os fatores psicossomáticos são considerados de fundamental importância. A ciência não destruiu os fatores psicológicos, incorporou-os e os resultados são alvissareiros.
Práticas atualmente descartadas tiveram seu uso consagrado por largos períodos. Povos de todas as latitudes e civilizações utilizaram-se da SANGRIA como terapêutica polivalente em quase todas as doenças. Inicialmente como um ritual impregnado de conteúdo místico e posteriormente sob o fundamento de doutrinas que justificavam tal prática, ou que foram elaboradas para que a coonestassem(Seigworth, 1980, pp. 2022-208).Barbeiro-cirurgião era uma das profissões mais comuns na área médica durante a Idade Média, eram geralmente incumbidos do tratamento de soldados durante ou após batalhas. Nesta época, cirurgias em geral não eram realizadas por médicos, mas por barbeiros que também faziam pequenas cirurgias nos ferimentos dos camponeses e sangrias. Os babeiros-cirurgiões fixavam residência próxima a castelos, onde também forneciam serviços para os abastados.
Uma variante da sangria consistia na aplicação de sanguessugas. As sanguessugas (Hirudo medicinalis) são anelídeos que vivem em águas estagnadas, represas e lagos, e que se alimentam de sangue de animais que penetram nessas águas. São dotadas de uma ventosa na extremidade proximal, por onde sugam o sangue; cada exemplar pode sugar entre 10 e 15 ml de sangue.
Entre os tratamentos milenares que subsistem até a atualidade não podemos esquecer a FITOTERAPIA, baseada na nossa flora. Até hoje inesgotável fonte de matéria-prima para os laboratórios farmacêuticos.
A ALOPATIA, sistema ou método de tratamento em que se empregam remédios que, no organismo, provocam efeitos contrários aos da doença em causa é o oposto da HOMEOPATIA,método terapêutico que consiste em prescrever a um doente, sob uma forma diluída e em pequeníssimas doses, uma substância que, em doses elevadas, é capaz de produzir num indivíduo sadio sinais e sintomas semelhantes aos da doença que se pretende combater (este método foi criado, no fim do século XVIII pelo médico alemão Samuel Hahnemann 1755-1843).É uma luta de princípios, com primazia para oprimeiro.
A SÍFILIS durante séculos foi um flagelo da humanidade. Doença crônica, sexualmente transmissível, sua evolução transcorre em décadas e tem como desfecho uma alienação mental ou paralisia (quando ataca a coluna vertebral).
Durante a virada do século XIX para o XX a comunidade médica tentava lidar com o crescente número de pacientes acometidos pela sífilis e as técnicas até então disponíveis para o tratamento eram pouquíssimo promissoras.
Ao longo da história, a FEBRE se mostrou benéfica no tratamento de diversas doenças e remonta a Hipócrates (século IV a.C.). A utilização dos acessos febris provocados pela malária no tratamento da paralisia geral progressiva foi proposta, em 1917, pelo médico austríaco Julius Wagner-Jauregg. A técnica, batizada de malarioterapia, consistia na inoculação de sangue contendo um dos agentes etiológicos da malária, o protozoário da espécie Plasmodium vivax em doentes portadores desta forma de sífilis nervosa. A técnica passou a ser conhecida, utilizada e estudada em diferentes países do mundo, inclusive no Brasil.O arsenito de potássio (KAsO2) em solução aquosa – Licor de Fowler – também foi usado até época recente, antes da penicilina se tornar a terapêutica definitiva.
As duas técnicas acima descritas ainda eram utilizadas no decorrer da década de 1950, conheci dois casos pessoalmente.
Após este retrospecto histórico ingressamos no presente, com pés no futuro de terapias já em uso e outras prestes a nos beneficiar.
VÍRUS ZIKA ATACA E DESTRÓI CÂNCER EM EXPERIMENTO CIENTÍFICO BRASILEIRO
Estudo feito por cientistas da Universidade de São Paulo sugere que, no futuro, o vírus zika poderá ser usado para tratar tumores no cérebro. O vírus é conhecido por sua preferência por infectar células tumorais do cérebro e matá-las com grande eficiência, sem causar danos às células saudáveis.(Alvin Baez/Reuters).
Segundo Keith Okamoto, autor principal da pesquisa, estudos anteriores já haviam mostrado que o vírus da zika tem uma grande afinidade por células do sistema nervoso central, em especial as células-tronco neurais, que dão origem aos neurônios.Assim, quando um feto é infectado, o vírus ataca seu sistema nervoso e reduz drasticamente a quantidade de células-tronco neurais, gerando problemas como a microcefalia. Estudos feitos pelo grupo da USP sobre tumores do sistema nervoso central mostravam que as células que compõem esses tumores têm características semelhantes às das células-tronco neurais e estão ligadas ao processo de disseminação do câncer – a metástase.“Essas células tumorais são especialmente resistentes aos tratamentos convencionais como quimioterapia e radioterapia. Por isso decidimos investigar se o vírus da zika, que infecta células-tronco normais, poderia também infectar e matar as células tumorais que têm características de células-tronco”, disse Okamoto.Para realizar a pesquisa, os cientistas infectaram com zika células humanas derivadas de dois tipos de tumores cerebrais que afetam especialmente crianças de até cinco anos de idade: meduloblastoma e tumor teratóide rabdóico atípico.
Em um dos experimentos, os pesquisadores utilizaram essas células tumorais humanas para induzir o crescimento de tumores cerebrais “humanos” em camundongos.Depois de desenvolver o câncer em estágio avançado, os animais receberam uma injeção com o vírus da zika. Os tumores regrediram em 20 dos 29 animais tratados com o vírus – em sete deles, a remissão foi completa e o tumor desapareceu.
O vírus também bloqueou e reverteu metástases.Segundo o cientista, o fato do vírus da zika não afetar os neurônios maduros é crucial do ponto de vista da segurança, já que a destruição de neurônios saudáveis seria uma barreira para o uso do vírus em uma futura terapia contra o câncer cerebral.Okamoto conta que essas propriedades já haviam sido observadas em outros vírus e a estratégia do uso de vírus como “arma” contra o câncer já é uma realidade.Como foram utilizadas células de tumores humanos nos camundongos, o estudo brasileiro conseguiu demonstrar não apenas que o vírus da zika consegue reduzir os tumores, mas também inibir a metástase.
No caso do glioblastoma, a metástase é rara, já que o paciente costuma morrer antes que o tumor se alastre.O estudo brasileiro também mostrou que depois de atacar as células-tronco tumorais, o vírus da zika não consegue se reproduzir com eficiência – o que evitaria que os pacientes tratados contra o câncer ficassem doentes com a infecção viral.“Normalmente, quando um vírus infecta uma célula, ele sequestra sua maquinaria para se replicar e depois libera uma quantidade imensa de partículas virais que irão infectar outras células. Mas descobrimos que, por algum motivo, o vírus não consegue se replicar de forma eficiente na célula de câncer, porque as partículas virais produzidas são defeituosas, com pouca capacidade para destruir células normais.”
VACINAS ANTICÂNCER
As células tumorais enganam o sistema imunológico inibindo as reações responsáveis para ativar as células de defesa – as células dendríticas.
Células tumorais e dendríticas são fundidas em laboratório para formar uma célula híbrida, que é injetada no organismo e avisa o sistema imunológico que o tumor é um corpo estranho e deve ser destruído.
Há dois tipos de vacinas sendo pesquisadas, uma delas, já em uso, PREVINEa hepatite B – enfermidade virótica que pode se tornar cancerígena.
Vacinas CURATIVAS atuam quando o câncer já se instalou. Elas estimulam o sistema imunológico a reconhecer e eliminar as células malignas que simplesmente não são atacadas por fazerem parte do organismo.
Centenas de milhões de dólares são gastos anualmente na busca de terapias para destruir células tumorais e poupar as normais, minimizando os efeitos secundários do tratamento. São as “target therapies”. São muitas as opções e a escolha depende do tipo do tumor. As células tumorais não limitam sua reprodução por apoptose (apoptose é uma ordem para células se “suicidarem”. As células sadias a recebem quando devem morrer ao completar o ciclo para o qual foram criadas).
Um promissor tipo de terapia se baseia na preferência que os vírus têm por determinados órgãos, o que permite que os usemos para transportar substâncias anticancerígenas, sem afetar as células sadias. Nanopartículas também estão em estágios avançados de pesquisa.
Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado