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Medo da guerra civil leva marfinenses a fugir do país a pé

O medo de viver de novo os horrores de uma guerra civil fez pelo menos 300 marfinenses fugirem do país no fim de semana. Eles saíram da Costa do Marfim a pé, em direção à Libéria, apesar de as fronteiras estarem oficialmente fechadas. Segundo a Agência Lusa, o toque de recolher obrigatório, instaurado antes das eleições presidenciais de 28 de novembro, que devia acabar hoje (6), foi prorrogado até a próxima segunda-feira (13), por decreto de Laurent Gbagbo, que está no poder há dez anos.

Gbagbo e o ex-primeiro ministro Alessene Ouattara, que disputaram o segundo turno presidencial, afirmam ter assumido o governo no sábado (4). Quinta-feira (2), a Comissão Eleitoral declarou Ouattara vencedor, mas, no dia seguinte, a Corte Constitucional reverteu a decisão, sob alegação de fraude, e oficializou a reeleição de Gbagbo.

“A Costa do Marfim é um barril de pólvora – e não é de agora, depois da eleição”, diz o professor Antonio Gaspar, do Instituto Superior de Relações Internacionais de Moçambique. “Ali a questão étnica pesa muito.”

Ele não se espanta com a “dificuldade” de Gbagbo em entregar o cargo. “Não são muitas as vezes em que, nos países africanos, a vitória da oposição é encarada com normalidade.” Ainda que, lembra Gaspar, no caso específico da Costa do Marfim, haja chance de a troca de poder gerar uma perseguição, por causa da recente guerra civil. O desfecho “depende também da pressão internacional”, acredita.

A pedido da União Africana, o ex-presidente da África do Sul Tabo Mbeki está em Abidjan, capital marfinense, para tentar mediar a situação. No gera, a comunidade internacional pede a Gbagbo que reconheça a derrota. Oficialmente, o mandato dele terminou em 2005. As eleições foram adiadas cinco vezes, por causa da instabilidade surgida com a tentativa de golpe de Estado de 2002 e a subsequente guerra civil, que durou dois anos.

O peso da pressão internacional, diz Gaspar, também será decisivo para o Sudão, que passará por uma consulta popular em janeiro, que pode culminar na divisão do território do país. A votação está marcada para o dia 9, mas já se fala na possibilidade de adiamento. “O Norte precisa pesar muito suas decisões. Se perder, vai colocar na balança qual seria o prejuízo maior: perder o controle da parte sul ou isolar-se da comunidade internacional.”

A consulta está prevista desde 2005, no acordo de paz que pôs fim à guerra civil de 23 anos entre o Sul, separatista, e o Norte, que governa o país. Além do petróleo que há na Região Sul, a rivalidade étnica também é um componente na disputa. A volta à guerra civil não é possibilidade afastada, “muito embora haja uma distância entre o desentendimento e a guerra, propriamente”, afirma Gaspar.

Segundo ele, é de interesse dos africanos que, no Sudão, haja uma solução em ambiente de paz – mesmo com possibilidade de abrir um precedente divisionista e outros países terem de passar pelo mesmo processo.

Para o pesquisador sul-africano Greg Mills, consultor para temas internacionais de vários governos do continente, a situação vivida na Costa do Marfim, e possível de ocorrer no Sudão, não poder ser tomada como regra. “Em 1980, havia apenas duas democracias na África. Hoje, são mais de 40 nações com eleições regulares e multipartidárias”, diz ele.  “Não devemos deixar que os problemas da Costa do Marfim, do Sudão do Norte ou Sudão do Sul se imponham sobre a imagem da África como um todo. Há muitos países tendo enormes progressos.”

“Obviamente, a democracia tem um grande papel na maior responsabilidade dos governos, que são melhor conectados com suas populações”, afirma Mills. “E, invariavelmente, há dificuldade no crescimento dos países que passam de autocracias para democracias.”

Atualmente à frente da Brenthurst Foundation, baseada em Joanesburgo, Greg Mills foi diretor nacional do Instituto Sul-Africano de Relações Internacionais entre 1996 e 2005. Seu livro mais recente chama-se Por Que a África é Pobre. “Basicamente, o livro defende que a África é rica, mas que más decisões ao longo da história impedem o continente de entender essa riqueza”, diz. “E, nos últimos dez, 20 anos, há uma diversidade cada vez maior entre países africanos.”

De acordo com Mills, é importante para o continente que a comunidade internacional não considere a África monolítica. “Isso não é verdade, como não é na América Latina ou na Ásia.” Ele lembra que, logo depois do fim do colonialismo, a ideia de uma “África Única” fortaleceu-se, inclusive entre as lideranças locais. “Ainda que haja unidade política de alguma forma, no campo econômico, há uma crescente diferença entre os países africanos.”

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