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Naufrágio do Bento Gonçalves completou 67 anos neste 20 de setembro

Neste 20 de setembro, Osório e região relembram o maior desastre ocorrido em águas da região. São 67 anos do naufrágio do barco rebocador Bento Gonçalves. O fato aconteceu em 1947. O barco transportava 20 pessoas que se dirigiam a um comício em Maquiné, então distrito de Osório-RS.

O pequeno rebocador de 14,8 x 2,85m, com uma caldeira abastecida a lenha e um motor de 44 HP que atingia 12 quilômetros por hora, deixou o porto de Osório às 11h20min daquele sábado de setembro. Depois de cruzar as lagoas do Marcelino e do Peixoto, entrou na Lagoa da Pinguela sob forte vento minuano. O Bento Gonçalves, que estava em atividade no Serviço de Transporte entre Palmares do Sul a Torres (STPT) desde janeiro de 1929, era comandado por Luís Serafim Machado, o Luís Candita. Por volta das 12h30min, uma rajada de vento adernou o barco.

Dezoito pessoas, entre passageiros e tripulantes, perderam a vida. Entre eles, Osvaldo Bastos, deputado constituinte de 1946, e Cândido Osório da Rosa, prefeito de Osório entre 1937 e 1942 e candidato a prefeito na ocasião.

Apenas dois passageiros salvaram-se: o músico, pescador e juiz distrital João da Costa Vilar, o João Clemente, e o sapateiro Alzemiro Viana Negreiros. O primeiro nadou até a margem apoiado em destroços, e o segundo ficou dentro da chaminé do barco.

Retirado do meio da lagoa da Pinguela, o velho Bento Gonçalves continuou a prestar serviços e, em 1984, quase quarenta anos depois, ainda se encontrava na ativa, no Guaíba.

Um dos sobreviventes descreveu a história em 94 versos que segue abaixo:

Horas de Aflição

Com estes meus rimados versos de 4 linhas vou contar aos amigos, os trabalhos que passei nas águas da lagoa da Pinguela em 20 de setembro de 1947 quando naufragou o rebocador Bento Gonçalves, do dia em que saí até o dia que cheguei.

1 – Nos versos de 4 linhas
Vou contar aos meus amigos
Os trabalhos que passei
Nas águas sem ter abrigo.
 
2 – Deixei  o Tramandaí
A minha terra natal
Fui assistir um comício
Na vila Marquês do Herval.
 
3 – Um dia de chuvarada
Acompanhada de vento
Sai de Tramandaí
Para passar tantos tormentos.
 
4 – Como udenista de classe
E leal ao meu partido
Não poderia deixar
De acompanhar meus amigos.
 
5 – Entre emboava e fulgêncios
Fiquei muito surpreendido
Pelo aviso que tive
De um pássaro desconhecido.

6 – Já podia ter voltado
Por já ter essa experiência
Mas como diz o ditado
Quem mal não faz, mal não pensa.

7 – Fui a cidade de Osório
Esperar o deputado
Que vinha no outro dia
Da capital do Estado.

8 – As 9 do dia vinte
O deputado chegou
Saímos todos para o porto
Tomar o rebocador.

9 – Nos deram o Bento Gonçalves
Que estava atracado ao porto
Não é que ali tivesse
Vapores com mais conforto.

10 – Ali com poucos minutos
O pessoal embarcaram
Ouvimos certas caçoadas
Do partido adversário.

11 – Mas não ligamos importância
No qual o povo dizia
Seguimos nossa viagem
Com prazer e alegria.

 12 – Daí a poucos minutos
Deixei o porto de vista
Palestrando com amigos
Da caravana udenista.

13 – Eu fiquei no camarote
Onde estava o deputado
Apreciando as anedotas
Do senhor Manoel Quadros.

14 – Tudo estava em boa ordem
A caravana animava
O pavilhão U.D.N.
Na vanguarda tremulava.

15 – Marcha Bento Gonçalves
Marcharemos todos com fé
Vamos comer um churrasco
Na vila de Maquiné.

 16 – Na lagoa do Peixoto
Já era rijo o tufão
Mas como o vento era popa
Não se prestava atenção.

17 – Todo o povo satisfeito
Com alegria e prazer
As horas se aproximando
Para tal fato acontecer.

18 – Quando entramos na Pinguela
Na lagoa traiçoeira
Vendo que o barco ia mal
Já não quis mais brincadeira.

19 – O nome deste vapor
É um nome guerreiro
Quando subia na vaga
Mostrava a quilha ao pampeiro.

20 – Como pescador antigo
Conhecendo o temporal
Avisei ao comandante
Neste rumo vamos mal.

21 – Ele fitou-me sorrindo
E depois me respondeu
Sou o capitão do barco
E quem manda aqui sou eu.

22 – Eu tornei a repetir
Como sendo um passageiro
Você não  é comandante
E nem tão pouco marinheiro.

23 – Todo mundo quer ser mestre
Sem ter  o conhecimento
Aguentou-se no mesmo rumo
Pedindo mais forte vento.

24 – Se ele orçasse o aribace
Não morria os companheiros
Tenho certeza em que digo
Porque sou bem canoeiro.

25 – Nos disse certas palavras
Que até hoje sinto
Vamos no Bento Gonçalves
O herói de trinta e cinco.

26 – Aqui que manda sou eu
Por tudo sou responsável
Não eram ditas as palavras
Virou o Bento Gonçalves.

27 – Meus leitores eu vos pergunto
Qual é o nosso conforto?
A gente rindo e brincando
E em segundos morto.

28 – Foi uma cena cruel
Entre todos companheiros
O pessoal do convés
Foi quem morreu primeiro.

29 – Levei um choque terrível
Mas depois me convenci
Nada mais tenho a fazer
Pois para morrer eu nasci.

30 – Lá não tinha salvo a vida
Mas nada tinha ali
Botemos o peito na água
Cada um faça por si.

31 – Lembrai-me de todos meus
Da minha fiel mulher
Entreguei-me para Deus
Faça de mim o que quiser.

32 – Conhecendo que morreria
Contando a causa perdida
Nunca mais que esperava
Voltar a casa com vida.

33 – Foi em 20 de setembro
Em véspera de São Miguel
Eu nunca me esquecerei
Daquelas horas cruéis.

34 – Nos valha Nossa Senhora
Nosso Deus do infinito
Já não posso mais ouvir
Tanto clamor, tanto grito.

35 – A Virgem Nossa Senhora
Era que o povo implorava
As ondas de peito à peito
Mais forte se levantavam.

36 – Pegados no camarote
Tinha uns quantos companheiros
Mas as ondas arrancavam
Morriam muito ligeiro.

37 – Ei ali também pegado
Esperando a minha hora
Mas sempre me lembrando
Da Virgem Nossa Senhora.

38 – No meio deste conflito
Nos meus ouvidos soava
Aquele pássaro que vi
Entre Flugêncios e Emboava.

39 – Lá ficou 18 vidas
Que muita falta deixou
E triste descriminar-se
Tudo que ali se passou.

40 – Meu amigo Manoel Quadro
Aos meus pés veio morrer
Pedindo que eu lhe salvasse
E eu nada pude fazer.

41 – Meus leitores pensem bem
Na minha situação
Vendo o amigo morrer
Sem poder de salvação.

42 – Todos pediam socorro
De onde podia vir?
É preciso muita calma
Para poder resistir.

43 – Aquela tolda arrancasse
De que maneira não sei
Fiquei a mercê das ondas
Agora sim morrerei.

4 4- Peguei-me no pau da bandeira
Que era a última salvação
Este pau também quebrou-se
Fiquei sem nada nas mãos.

45 – Fiquei lutando com as ondas
Naquela grande agonia
Quando passava por mim
A prancha que Deus trazia.

46 – Na mesma prancha pegou-se
Um moço novo e nadador
Um marinheiro de bordo
Do mesmo rebocador.

47 – Mas não pode se salvar
O seu destino não quis
Ficou batendo nas ondas
Aquele pobre infeliz.

48 – Fiquei sozinho lutando
Naquele largo terrível
Mas sempre me lembrando
Para Deus nada é impossível.

49 – Muitas vezes daquela prancha
Pelas ondas fui varrido
Mas tinha o Anjo da Guarda
Que sempre esteve comigo.

50 – E ia ao fundo e vinha acima
Tornava a me segurar
Bebendo água forçada
Minutos sem respirar.

51 – Contando estes trabalhos
Nunca a esperança perdia
Parece que eu enxergava
A Virgem Santa Maria.

52 – Por ser um filho de Deus
Um homem de fé e crente
Não poderia morrer
Nas águas isoladamente.

53 – Quatro horas dentro da água
Um pobre velho a lutar
É preciso muita fibra
E um anjo para lhe auxiliar.

54 – Com a capa gabardine
Fatiota de casemira
E se lutar contra as ondas
Até parece mentira.

55 – Oh! Minha Virgem Maria
Oh! Minha mãe, minha amada
Quem tem Deus por si tem tudo
Quem não tem Deus não tem nada.

56 – Quando avistei o juncal
Antes da praia chegar
Me veio a inspiração
Talvez eu vá me salvar.

57 – Já estava quase me entregando
Força nos braços, não tinha
Quanto mais perto da costa
As ondas mais fortes vinham.

58 – As quatro horas cheguei
No porto da salvação
Por seu um filho devoto
Da Virgem da Conceição.

59 – Morto de frio e cansado
Sem poder mais caminhar
Pedindo a Nossa Senhora
Não me deixe encarangar.

60 – Atirei-me sobre a praia
Gemendo por sofrer tanto
Fiz a minha devoção
Padre filho, Espírito Santo.

61 – Olhando para aquelas ondas
Que pareciam um serra
Ainda não me conformava
Que estava pisando na terra.

62 – Me arrastava um pouquinho
A falta de ar me vinha
Com muito custo cheguei
Numa velha moradinha.
 

63 – O dono desta morada
Já foi de Tramandaí
Chamou-se Quinca Liandro
Fez o que pode por mim.

64 – Me perguntaram, eu contei
Tudo que aconteceu
Que lá no cano ainda tinha
Um sofredor como eu.

65 – Vão salvar aquele amigo
Que é um dos últimos companheiros
É o Alzimiro Vianna
De profissão sapateiro.

66 – Dali saiu um gaúcho
Com toda velocidade
Levando a triste notícia
Que alarmou toda cidade.

67 – Ficou lá meu companheiro
Fazendo a Deus suas preces
Escorando as rajadas
Do furioso noroeste.

68 – Homem forte e de coragem
Que nunca desanimou
Às 7 horas da tarde
A salvação lhe chegou.

69 – Devo minha vida a Deus
Não devo para mais ninguém
Se eu tivesse morrido
Ele morria também.

70 – O senhor Quinca Liandro
Sempre fomos muito amigos
Ele não me conheceu
Criado sempre comigo.

71 – Me perguntou o meu nome
Como deveria tratar
Eu sou de Tramandaí
João da Costa Villar.

72 – Ali passei toda a noite
Como dormir por não poder
Me lembrando da família
Quando chegasse a saber.

73 – Pelas 10 horas da noite
Sem dormir, fui visitado
Pelo Dr. Mário Dani
Com Maiolino, delegado.

74 – O dia estava clariando
Chegou meu genro e um cunhado
Que foram lá me buscar
Aonde eu tinha naufragado.

75 – Quando meus filhos chegaram
Que vieram me abraçar
Meu coração partiu
Fui obrigado a chorar.

76 – Chamei seu Quinca Liandro
Perguntei o que devia
Não me fale em pagamento
Só cumpri como devia.

77 – Dei-lhe um abraço apertado
Me  despedi, vim embora
Direto a minha casinha
Com Deus e Nossa senhora.

78 – Com pouco estarei em casa
Se Deus me favorecer
Vou ver minha família
Que nunca mais pensei ver.

79 – Na subida da fachina
Encontrei um carro novo
Era o pessoal que vinha
Lá do Correio do Povo.

80 – O repórter perguntando-me
Eu dizendo o que sabia
Depois pegou sua máquina
Tirou-me a fotografia.

81 – Segui minha viagem
Considerando na estrada
Preparando o coração
Para resistir a chegada.

82 – O povo se aglomerava
É só que ouvia falar
O Villar está com vida
Não se pode acreditar.

83 – O povo todo em geral
Principalmente as mocinhas
Morreu João Villar
Acabou-se nossa bandinha.

84 – Antes de chegar em casa
Mandei o carro parar
Encontrei Dona Alzira
Veio me felicitar.

85 – O chofer deste carro
Era o seu Pedro Izabel
Que não mediu sacrifício
Naquela noite cruel.

86 – Tenho o meu anjo da guarda
Anjo do céu resplendor
Levou-me à minha casinha
Cheio de graça e amor.

87 – Esta chegada foi triste
Difícil de se agüentar
Toda família chorava
Também tive que chorar.

88 – Minhas cunhadas e comadres
Toda gente me abraçava
Nesta hora sufoquei-me
Minhas lágrimas pingavam.

89 – Quem me ver rir e brincar
Não sabe o meu sentimento
Aquele triste passado
Não me sai do pensamento.

90 – As famílias mais distintas
Residentes no lugar
Esperavam minha chegada
Para me felicitar.

91 – Não morri naquele dia
Mas me vi atrapalhado
Salvei-me numa taubinha
Como lá diz o ditado.

92 – Peço aos amigos leitores
Que leiam com atenção
Aqui só conto a verdade
Não existe alteração
São idéias de um homem sério
E de bom coração.

 93 – Não tenho com quem se queixar-me
O meu destino assim quis
Já fiz minhas orações
Na igreja da Matriz
Hoje estou no meu ranchinho
Me sinto muito feliz.

94 – Me lembrando do passado
Os tormentos que passei
Lá ficou os meus amigos
Eu também quase fiquei
Não mudo minha idéia
Sempre UDENISTA serei!

João da Costa Villar – O Sobrevivente

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