No caminho do mar – Sergio Agra
SERGIO AGRA – Intelectual não vai a praia. Intelectual bebe.
NO CAMINHO DO MAR – Arroio Teixeira
“Durante muito tempo, deitava-me cedo. Às vezes, mal apagada a vela, meus olhos se fechavam tão depressa que eu nem tinha tempo de pensar: “Vou dormir”. E, meia hora depois, a ideia de que já era tempo de conciliar o sono me despertava: queria deixar o livro que julgava ainda ter nas mãos e assoprar a vela…”.
Assim se inicia “No Caminho de Swan”, Capítulo I,no primeiro dos sete volumes da magistral obra de Marcel Proust, “Em Busca do Tempo Perdido”.
Não seria muito diferente descrever minhas memórias das temporadas de verão no final da década de 1950, início dos anos sessenta, quando partíamos, meus pais e meu irmão mais novo, para a Praia de Arroio Teixeira. Hospedávamo-nos no Hotel do “Seo” Lalaca, uma imensa construção, à exceção da cozinha e do refeitório, toda feita em madeira, na Avenida Beira-Mar. Minha preocupação, diferentemente de Proust, não era soprar a vela e deixar o livro que julgasse ter nas mãos, mas sim, apagar do pensamento a vizinha do quarto ao lado do nosso, meu e de meu irmão.
Naqueles anos, a energia elétrica vinha de um gerador que, após três sinais de apaga-e-acende-apaga-e-acende, anunciava o definitivo desligamento às 10 horas da noite. Todos dormiam cedo. Alguns mais aficionados continuavam o jogo de canastra à luz dos lampiões a querosene. O “ar condicionado” eram as frestas das venezianas da única janela do quarto, insuficientes para amenizar o calor e o cheiro nauseante do Boa-Noite a empestar olfatos mais sensíveis.
Voltemos ao que, repito, diferentemente de Proust, se não me permitia conciliar o sono não era por causa de um reles livro, mas sim em razão da imagem do corpo desnudo da vizinha do quarto ao lado. A mulher, nos seus vinte, vinte e umaninhos, poderia se julgar ter os catorze de uma ninfeta, o corpo pequeno e as faces rosadas de um querubim.
Seria ela uma normalista, uma professorinha, uma secretária de escritório de advocacia ou de consultório médico? Era uma linda mulher, dona de um corpo delineado pelo cinzel do Mestre dos Mestres Escultores, que meus olhos de moleque ainda virgem, nos seus onze anos, percorreram avidamente através do pequeno orifício na madeira, parcamente vedado por uma tampa de refrigerante “achatada” e mal pregada na parede do nosso dormitório.
Meu irmão percebera naquela noite os meus movimentos e exigira os mesmos “direitos”. Ameaçou berrar e contar ao nosso pai. Por ser ele mais novo e de baixa estatura, ergui-o até a altura da brecha.
Se no restante da noite meu mano ficara em silêncio, na manhã seguinte, à hora do café, a primeira “notícia” que ele dera fora a de nossa “aventura” noturna.
Dispensado dizer que meu pai vedou a “tampinha” sem qualquer possibilidade de ser removida.
Mesmo com meus 11 anos, causava-me estranheza uma jovem e bela mulher veranear sozinha numa praia sem quaisquer atrativos, a não ser o mergulho e o gargarejo com a água do mar para “purificar” a garganta. A resposta às minhas incertezas não logrou muito tempo para se desvelar: – Após o almoço, os mais velhos recolhiam-se e dormiam a sesta. Quase todos, melhor dizendo! O velho político, que os parentes e amigos o tinham como azarento “pescador”, abandonava o chalé familiar, samburá à mão, ingressava à sorrelfa no quarto e lançava a “rede” sobre o corpo de sereia da minha vizinha de quarto.
Nos “Anos Dourados”, alguns políticos (como ainda hoje) já roubavam até mesmo as ilusões e os sonhos de um pré-adolescente. E como roubavam…