O acento tônico e o coração de luto - Sergio Agra - Litoralmania ®
Sergio Agra
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O acento tônico e o coração de luto – Sergio Agra

O ACENTO TÔNICO E O CORAÇÃO DE LUTO

Em que pesem as restrições impostas pelas autoridades sanitárias para a contenção da pandemia do Covid-19 e suas variantes, tauras e prendas puseram a arejar as pilchas— a fim de lhes retirarem o mofo e o odor da naftalina— e em alegre bando, de cuia e garrafa térmica, vão entoando pelos ranchos e acampamentos “Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra, de modelo a toda terra, sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra…”.

Mas de que façanhas me hablas, farroupilha, as do 20 de setembro de 1835?

Diz a lenda que naquela data os farroupilhas, liderados por Bento Gonçalves, venceram o confronto da Ponte da Azenha e entraram na província de Porto Alegre.

A verdade é que a Guerra dos Farrapos encerrou-se no dia 01 de março de 1845, após os estancieiros terem “jogado a toalha” e aderido à “negociação” de paz com o governo imperial. Os termos da rendição — onde o território litigante voltou a fazer parte do Império do Brasil — ficaram conhecidos como Tratado do Poncho Verde.

O acordo, no entanto, foi assinado exclusivamente pelos farroupilhas. Um tratado de paz deve conter as assinaturas de plenipotenciários das partes interessadas, enquanto a ata firmada em 25 de fevereiro de 1845 tem apenas as assinaturas dos oficiais republicanos. Jamais o Império assinaria um Tratado de Paz com os rio-grandenses ou qualquer outra província. Seria reconhecer a República proclamada.

Como, então, podem servir “nossas façanhas de modelo a toda terra” se a hedionda chacina dos lanceiros negros, durante a Batalha de Porongos, segundo renomados historiadores apontam evidências de que esse ataque tenha sido acordado entre os líderes farrapos e o governo? O “ataque surpresa” tinha o objetivo de liquidar os negros e foi, então, a forma encontrada para lidar com essa questão.

Narrei este sombrio episódio na aula de Língua Portuguesa, num já distante setembro, quando lecionava no então Supletivo de I Grau. O capítulo abordava a sílaba tônica, o acento tônico, a sílaba pronunciada com maior ênfase numa palavra. Vali-me dos versos de “Coração de Luto”, de autoria de Teixeirinha.
Para que o canto entrasse em sintonia com a música o compositor cometera flagrantes equívocos no quesito da oralidade da acentuação tônica.
Assim, as sílabas grafadas em maiúsculas correspondem à entonação mais “forte” cantada por Teixeirinha, senão vejamos:

“O maior golPE do mundo / Que eu tiVE na minha vida / Foi quanDO com nove anos / Perdi minha mãe querida / Morreu QUEIimada no fogo / MorTEtrisTEdolorida / Que fez a minha maezNHA / Dar o adeus da despedida…”.

Desnecessário dizer que quase a classe toda ensejou uma tímida, porém evidente vaia a este professor. Para acalmar os ânimos lhes narrei exatamente os episódios polêmicos da Revolução Farroupilha — a Batalha de Porongos e o Tratado de Ponche Verde —, cujas festividades se avizinhavam.
Em desagravo a Teixeirinha — sobretudo para provar o amor do ora escrevinhador por este meu Rio Grande do Sul, céu, sol, sul, terra e cor, onde tudo que se planta cresce, e o que mais floresce é o amor — lembro trechos da mais idílica das composições de Victor Mateus Teixeira. Ei-los:

“Quem quiser saber quem sou
Olha para o céu azul
E grita junto comigo
Viva o rio grande do Sul

O lenço me identifica
Qual a minha procedência
Da província de São Pedro
Padroeiro da querência
Oh, meu Rio Grande
De encantos mil

Disposto a tudo pelo Brasil
Querência amada dos parreirais
Da uva vem o vinho
Do povo vem o carinho
Bondade nunca é demais

Deus é gaúcho
É espora e mango
Foi maragato ou foi chimango
Querência amada
Meu céu de anil
Este Rio Grande gigante
É mais uma estrela brilhante
Na bandeira do Brasil…”.

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