O Casamento – Erner Machado
Rosário do sul, era um cidade típica da fronteira gaúcha , onde existiam, lá pela década de quarenta, os famosos “coronéis” donos de gente e de gado.
Com as Gentes eles mantinham numa relação de semi escravidão onde os homens trabalhavam na forma de “ mantinidos” ou seja pela comida e as mulheres ganhavam algum trocado por serem empregadas domésticas, cozinheiras ou lavadeiras de roupas dos patrões , das patroas e das famílias.
Os gados eles os vendiam para a Cia Swift o que lhes garantia a manutenção das fazendas por todo o ano.
É neste cenário mais rural do que urbano que as pessoas nasciam, cresciam, se casavam, tinham filhos e filhas que eram encarregadas de tocar a roda da vida… mantendo as tradições.
Neste tempo os pais escolhiam entre os demais, da mesma tradição , de honra e de haveres, os moças e os moços que iam, entre si, constituírem famílias, através do casamento civil e religioso.
Não foi diferente com o Fidêncio e com a Alzira. Ela filha do Coronel Estácio e ele, do Dr. Dilermando, famoso médico da cidade , cuja atuação profissional se estendia de Rosário a Cacequi, Dom Pedrito, São Gabriel e Alegrete.
O Casamento fora acertado quando o Fidêncio tinha quinze anos e a Alzira doze. Agora, quando completavam vinte e cinco e vinte e dois anos,respectivamente, chegara a hora de constituírem família pelos laços sagrados do casamento.
Os preparativos foram os mais completos, possíveis. Os convites para sociedade de Rosário e das cidades vizinhas já tinham, com antecedência de 6 meses, sido expedidos em nome dos pais e dos noivos.
O mês escolhido foi maio, por ser o mês da noivas e o dia cinco, por por ser a data de casamento do coronel Estácio com a dona Maria de Lourdes.
O pai do noivo mandou buscar, de Rivera, toda a sorte de bebidas estrangeiras, com destaque para os uísques mais caros e para as champanhes mais famosas.
O pai da noiva mandou carnear quatro vacas , dois porcos, perus e galinhas, e no pátio da casa da cidade mandou fazer um churrasco que ficaria como uma marca da hospitalidade com a qual a família distinguia aos seus amigos e convidados. E, com certeza, seria lembrado por muitas e muitas gerações.
Das oito horas da manhã às 17 horas do dia cinco de maio a cidade parecia uma metrópole tantos eram os convidados que chegavam em carros Ford com motorista, ou de ônibus. Muitos dos convidados do interior de Rosario do sul, chegavam à cavalo e alguns que tinham família grande chegavam de carretas puxadas por juntas de boi.
As 18 horas, a Igreja do Padre Ângelo Bartelli, estava preparada para receber os noivos que iam casar-se , primeiro no Religioso e depois no Civil, como era tradição das famílias religiosas e da alta sociedade de Rosário.
O casamento seria as 18:30 e para dar um toque de finesse ao ato, ali encontrava-se uma Freira que comandava o coral composto pela Dona Otília e pela dona Anita Giribone, e mais algumas devotas do Padre Ângelo. O Coral, naquele momento, cantava Ave Maria…
Como manda o Ritual, o noivo já encontrava-se no Altar.
Formando um semi circulo , que tinha como centro o Padre Angelo, estavam dispostos as testemunhas de ambos os nubentes.
Pelo trajes dos homens e da mulheres, podia-se deduzir que eram os expoentes da mais alta sociedade Rosariense.
A porta aberta da Igreja Matriz, dava para a praça, de onde a população podia ouvir, as notas harmonicas da canção que se propagava pelo entorno da Igreja.
Eram exatamente dezoito e trinta quando uma carruagem estilo imperial , puxada por dois pares de cavalos brancos, parou na frente da Igreja e dela desceu Alzira, com um vestido branco. Emoldurava o seu rosto, um véu que era seguro, no alto da cabeça, por uma singular grinalda de diamantes que, brilhavam aos raios derradeiros de sol e produziam estranhas luzes, intermitentes.
O seu pai que a conduzia lentamente e em passos silenciosos chegou , ao altar com um estranho sorriso nos lábios que desapareceu quando estendendo o braço entregou para o Fidêncio de forma que ela ficasse segura pelo braço esquerdo do futuro genro.
E o Padre Ângelo, tomou conta da cena.Como sempre, fez uma breve saudação aos pais da noiva e do noivo enalteceu o que o casamento, ora celebrado, significava para Rosário do Sul e deu inicio a Cerimônia.
Após as citações ritualisticas necessárias dirigiu-se a Alzira e perguntou: Aceitas a Fidêncio como teu legitimo marido, jurando ser-lhe fiel até que a morte os separe ? a resposta foi um grande sim, que teve o condão de colocar um sorriso nos lábios de cada um dos presentes.
De igual forma fez, a mesma pergunta a Fidêncio. Fidêncio estava calado com o olhar perdido em direção ao altar onde encontra-se uma moça, vestida modestamente. No colo uma menina ainda bebê…
Inebriados com a beleza do cenário, nenhum dos presentes, na Igreja,tinha visto aquela moça entrar.
E o Padre Angelo já irritado repetiu a pergunta pela segunda e pela terceira vez e Fidencio calou-se!
E sem dizer nada largou o braço de Alzira e dirigiu-se para o lugar onde estava a moça,e tomou a criança nos braços e, silenciosamente, iniciou a descer altar. Alzira chorava. Um profundo silencio se estabeleceu na igreja.
O Silencio, somente, foi quebrado pelo som de três tiros, disparados pelo revolver Smith Wesson, do Coronel Estácio que projetaram Fidêncio sobre os degraus do Altar caindo , já morto, aos pés do Padre Ângelo. A criança caiu chorando, mas ilesa, e foi agarrada pela Jovem que abraçou-se ao corpo de Fidêncio, formando com ele e a menina uma estranha escultura que movia-se pelos espasmos dos prantos e dos gritos.
O Dr. Dilermando e a mãe de Fidêncio se amontoaram sobre o corpo do filho , sobre a moça e a criança e choraram, silenciosamente.
Dona Maria de Lourdes abraçou Alzira e gritou chamando o coronel Estácio de Bandido, de Assassino.
O Padre atirava agua benta sobre Fidêncio e rezava um pai nosso como querendo buscar as bênçãos divinas para consolar os familiares de Fidêncio e para livrar sua igreja das influencias malignas do demônio.
Chegando ao altar um jovem humilde aproximou-se e tomou a moça pela mão e a criança no colo e, lentamente, afastou-se do local.
O Delegado seu Pelágio dos Santos, aproximou-se do coronel Estácio e lhe deu voz de prisão !!!
Erner Antonio Freitas Machado