Colunistas

O cavalo e o jegue

A proporcionalidade na representação política é um tema importante na literatura nacional dedicada aos sistemas eleitorais.

No Brasil, o tema está em voga nos meios de comunicação, na plataforma de políticos e no meio acadêmico, alimentado pelo debate sobre reforma política. O ponto mais destacado é a forma como os estados brasileiros se encontram representados na Câmara dos Deputados e, sobretudo no Senado, onde cada unidade federativa possui três senadores, sendo objeto de crítica o peso desigual que tem o voto dos eleitores, dentro das diferentes unidades da Federação, quando escolhem os seus candidatos. A contraposição entre o eleitor do Acre, Rondônia ou Paraíba e o eleitor de São Paulo é um exemplo recorrente.

Não terá sido essa uma das razões que levou o presidente da Philips para o Brasil, Paulo Zotollo, afirmar que “O Piauí é lugar descartável, tanto faz quanto tanto fez, e que se deixar de existir, ninguém vai ficar chateado.”? Não entrarei no mérito da polêmica e se a “sutileza” de Zotollo foi ou não como a de um elefante passeando no interior de uma loja dos mais finos cristais. Mas, convenhamos, aceitar que estados como os acima citados sejam representados pelo mesmo número de senadores quanto os de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, os maiores colégios eleitorais do Brasil, trata-se de mais um descalabro político!

A incubadora dessa aberração está no parágrafo 1º do Art. 41, da Emenda Constitucional nº 8, de 14/04/77, promulgada por Ernesto Geisel, em plena ditadura militar. Hoje, tampouco as esquerdas sequer fazem gosto em mudar. No meio dessa zorra total florescem os ACM’s (não é pelo fato de estar morto que se doura a pílula) e os Calheiros da vida.

Isso me faz recordar a História Antiga: Calígula (Caius Caesar Germanicus), terceiro imperador Romano, nomeou seu cavalo favorito, Incitatus, para o Senado. O ato provocou profundo mal-estar entre os senadores e o patriciado de Roma. A idéia do maluco imperador não fora tão ruim assim. Incitatus jamais atentou contra o erário. Não há registro de que conhecesse um só lobista de empreiteira. Não tinha fazendas nem traficava com vacas de qualquer espécie e não forjava papéis. Foi um senador honesto, exemplar. Não possuía “caixa dois”, tampouco “agendas secretas”. Seu único defeito era não ter tido um só voto para ganhar o mandato de senador, mas isso também não o deixaria mal no Senado, onde cinco dos dezesseis membros da Comissão de Ética também não precisaram de um único sufrágio para chegar ao Senado, a começar pelo ex-presidente, o senador Sibá e o ex-relator-brucutu, Wellington Salgado.

Mais uma vez os brasileiros iriam assistir a um festival de cinismo, que se não fosse trágico poderia fazer parte de um roteiro do Cassseta & Planeta, tal é o volume de besteiras que ali foram ditas.

Qual é o objetivo dessa Casa? Sibá demonstrou não ser tão idiota quanto Renan acreditava que fosse, ao entregar-lhe o julgamento “ético” do affair. O presidente do Senado estava tão certo da absolvição que sequer se preocupou em dar a mínima verossimilhança a seus papéis e vacas fajutas.

A Comissão de Ética do Senado, tendo agora como presidente Leomar Quintanilha (PMDB) e uma tríplice relatoria, composta pelos senadores Renato Casagrande (PSB-ES), Marisa Serrano (PSDB-MS) e Almeida Lima (PMDB-SE),  decidiu nesta quarta-feira, por 11 votos a favor e quatro votos contrários, pela cassação de Renan Calheiros.

Quando penso em senador, penso em alguém como Afonso Arinos, Paulo Brossard, Petrônio Portella, Santiago Dantas, Darcy Ribeiro, certamente não em alguém como a imensa maioria dos parlamentares hoje naquela Casa, que não tem qualificação nem para vereador de cidade de quinta categoria. Do jeito que vem caindo, o melhor é acabar de vez com o Senado na reforma política que deveria já estar sendo discutida, mas que uma vez mais cede lugar a mais um (e certamente não o último) escândalo desta República podre.

Entre o cavalo do imperador romano e o jegue alagoano posando de garanhão, Incitatus foi melhor Senador que Renan!

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