O falcão de Esparta - Jayme José de Oliveira - Litoralmania ®
Jayme José de Oliveira
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O falcão de Esparta – Jayme José de Oliveira

Os séculos passam, os milênios se esboroam, mas a humanidade intrinsecamente pouco se modifica. As paixões, os amores, os ódios, a cobiça, permanecem latentes e quando chega a hora… estrugem com toda a intensidade que parecia sopitada.

Conn Iggulten escreveu “O Falcão de Esparta” relembrando saga como a de Leônidas e os 300 espartanos enfrentando 1 milhão de persas no desfiladeiro de Termópilas. Durante 3 dias resistiram até que o traidor Efialtes guiou o formidável exército por um atalho. Só então foram trucidados pelo ataque na retaguarda.

No prólogo do livro, Dario, filho de Xerxes, instrui seu primogênito Artaxerxes como sobreviver naquele meio conturbado, mesmo que fosse necessário assassinar seus afins, isso para não ser morto por eles.

Mudaram os tempos, as armas, as táticas, só não mudou a capacidade do homem em usar todos os artifícios, por mais hediondos que sejam, no afã de continuar no comando das nações ou conquista-lo usando, repito, quaisquer subterfúgios.

Há mais de 2 mil anos Cícero pronunciou 4 discursos no Senado Romano que se tornaram conhecidos como as Catilinárias. Num deles, verberando todo seu asco por Catilina vociferou: “Quousque tandem Catilina, abutere patientia nostra”? (Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência)?

Continua tão atual como o foi nos tempos pretéritos. Acrescentou num momento de exasperação: “Hoc loco sacrus est puer, extra migite”. (Este lugar é sagrado, guri, vá urinar lá fora).

Abordemos excertos do prólogo de “O Falcão de Esparta”.

Enquanto andava pelo meio da rua o Grande Rei exibia a barba em cachos negros definidos. Soldados imperiais limpavam o aminho para o rei andar. O silêncio era tão pesado que o menino ouvia os passarinhos cantarem.

A verdade era que algumas palavras não podiam ser ouvidas. Havia sátrapas (déspotas) demais, reinos demais cuja coroa ele esmagava sob suas sandálias.

Enquanto os dois andavam o menininho enviava olhares furtivos na direção do pai, adorando-o e confiando nele para tudo. O jovem Artaxerxes igualou seu passo ao do rei, assim, pai e filho caminhavam como se fossem as únicas pessoas vivas no mundo.

– As fronteiras da Pérsia não podem ser percorridas a pé por toda uma vida, mas não me foi dado, menino. Quando mataram meu pai a coroa passou para o meu irmão. Ele a tomou… e só governou um mês, até ser assassinado.

– E o senhor se vingou de quem o matou – disse Artaxerxes.

– Isso. Quando o sol nasceu naquele dia, éramos três, três irmãos. À noite, eu estava sozinho. Salpicado de sangue… mas era rei.

Artaxerxes não sabia porque o pai o chamara naquele dia nem porque até os famosos guardas imperiais estavam fora de vista. O pai não confiava em ninguém, mas caminhava a sós com o seu filho mais velho, com catorze anos. Isso enchia Artaxerxes de orgulho e felicidade.

– Os reis precisam de mais de um filho – continuou o pai. Um rei com apenas um filho é um desafio para os deuses assim como para todos os seus inimigos.

O pai continuou.

– Mas se este primogênito sobreviver e se tornar homem, um jogo diferente começa. Se, então, ele tiver irmãos, são eles os únicos no mundo que podem lhe tirar tudo.

– Pai, disse Artaxerxes de repente – Ciro nunca me faria mal.

– Você é meu filho e meu herdeiro. Se for levado, Ciro será rei.

O rei respirou fundo, querendo que Artaxerxes compreendesse.

– Meu filho, amo vocês dois, mas quando estiver no meu leito de morte, nesse último dia eu o chamarei de volta… e você terá de mata-lo. Porque, se o deixar vivo depois disso, sem dúvida ele o matará.

Artaxerxes viu as lágrimas cintilarem nos olhos do pai. Era a primeira vez que via uma demonstração de emoção como esta, e isso o abalou.

– Pai, acho que o senhor está enganado, mas me lembrarei do que disse.

O rei se levantou, estava corado. Por uma emoção difícil de dizer.

– Então lembre-se disso também. Se disser uma palavra a Ciro, qualquer que seja, sobre esse assunto, você estará cortando a própria garganta. Chegará o dia em que ele virá até você e lhe tomará o trono. E, se eu estiver vivo nesse dia, se ele vier a mim depois, mesmo que tenha sangue nas mãos… mesmo assim, eu não terei outro filho, por isso o abraçarei.

Entendeste, Artaxerxes?

Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado

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