O general contra-ataca – Sergio Agra
O GENERAL CONTRA-ATACA
Capítulo XVII Da Série As Crônicas de Aleph
Em outubro de 1968 o Teatro de Arena de Porto Alegre, localizado no porão do edifício Duque de Caxias, com entrada nas escadarias do Viaduto Otávio Rocha, se preparava para a estreia da peça “Os Fuzis da Senhora Carrar”, de Bertholt Brecht, recebe uma carta assinada pelo Comando de Caça aos Comunistas — CCC — ameaçando: — “Estamos preparados para liquidar o Teatro de Arena no tempo exato de 1 minuto e 35 segundos”.
Poucas semanas depois, um batalhão do Exército invade o teatro em busca de armas que supostamente seriam usadas na luta armada. Na verdade, são carcaças de fuzis do início do século emprestadas pela Brigada Militar para a montagem da peça teatral. Mesmo assim, o Diretor Jairo de Andrade é espancado e as “armas” são apreendidas.
Na noite da estreia, o teatro lotado, Aleph se encontrava na plateia. Seria, após anos, o reencontro do jovem com Maria do Carmo MB, que interpretava a personagem Manuela. Os atores empunhavam vassouras em lugar das espingardas e a apresentação transformar-se-ia em manifestação contra a ditadura. Porém, o CCC, braço repressor da ditadura, uma vez mais mostraria sua truculência, desta vez com ordem de prisão aos atores.
Aleph, pressentindo a invasão, saltou para a arena cênica e, firmando a mão de Maria do Carmo, tratou de evadirem pelos bastidores até uma área de serviço que era conjugada ao prédio vizinho, o Edifício Duquesa, cuja entrada principal também estava localizada nas escadarias, porém havia um acesso secundário no leito da Avenida Borges de Medeiros, sob as arcadas do viaduto. Por ali ganharam a rua, enfim, ilesos, sãos e salvos das garras do autoritarismo de coturnos. Aleph dispôs-se a levar Maria do Carmo para casa.
— “É para onde menos eu posso ir agora!” — ela conseguiu dizer ofegante, enquanto corriam a um ponto de taxi na Pracinha do Cinema Capitólio.
—“Por que?” — Este era um surpreendido Aleph.
— “Foi papai quem instigou a invasão!”,
— “E onde pensas em te esconder até que as coisas se acalmem?” — ele tornou a perguntar.
— “Na casa de Suzana”. — Maria do Carmo mostrava-se decidida. — “Ela écompanheira do grego Agnostopoulos. Lá é a ”célula do teatro. São atores que contestam o regime militar. Eles me dirão o que fazer. Para casa é que não posso mais voltar…”.
— “Esta noite você permanece aqui”— este era Agnostopoulos. — “Amanhã Suzana comprará algumas roupas de viagem para você. — O grego prosseguiu. —“Até que a notícia de sua fuga chegue ao DOPS haverá tempo suficiente para embarcar para Santana do Livramento. Em Uruguaiana a rota de fuga se resume à Ponte Internacional para Paso de los Libres, alvo fácil para os ‘federais’. Por Santana o acesso a Rivera é mais seguro. Lá o companheiro Jose Parodi estará à sua espera no Restaurante elPadriño, na Calle Sarandi. Ele já tem todas as coordenadas para lhe fazer chegar ao Chile, inclusive o ‘passaporte’.”
Dirigindo-se a Aleph o grego finalizou, — “Como ainda é ‘ficha limpa’, você acompanhará ‘Eunice’ até a fronteira”.
—“‘Eunice’?—Aleph não estava entendendo a quem Agnostopoulos se referia. — “Quem é Eunice”?
— “Sua amiga! Maria do Carmo… A quem a você jamais há de esquecer”…