O general sabia demais II... - Sergio Agra - Litoralmania ®
Sergio Agra
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O general sabia demais II… – Sergio Agra

O general sabia demais…

Parte II

Capítulo XIII da Série As Crônicas de Aleph

“Varre, varre vassourinha, varre a corrupção”, entoavam os correligionários de Jânio Quadros — pejorativamente tachado pelos opositores de Vassourinha Delirante—, fora primeiro presidente eleito a subir a rampa do Palácio do Planalto após Brasília ser inaugurada. Polêmico, seu governo pouco durou. Jânio condecorara, no dia 19 de agosto de 1961, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, Ernesto Che Guevara, o guerrilheiro argentino que fora um dos líderes da revolução cubana, em agradecimento por Guevara ter atendido a seu apelo e libertado mais de vinte sacerdotes presos em Cuba, que estavam condenados ao fuzilamento. Fora o estopim que iria incandescer o rastilho de pólvora dos acontecimentos que se desencadeariam, a partir do dia 25 de agosto daquele ano, com a renúncia de Jânio, mudando toda a História Política do País.

Naquela manhã o Rio Grande do Sul estava prestes a aderir ao Estado de Sítio. O vice-presidente João Goulart se encontrava em visita à China. Os militares, que temiam ver no Brasil um governo de esquerda impediram Jango de assumir o cargo como mandava a lei. O Último Caudilho Gaúcho, metralhadora firmemente segura na destra e microfone na mão esquerda, exortava o povo para defender a Campanha da Legalidade. Filas imensas formaram-se à frente do portão do Palácio. Eram voluntários que se inscreviam para cerrar fileiras. Aleph, que retornava da escola, ao vislumbrar a febril movimentação nas cercanias da Sede do Governo não pensou duas vezes: postara-se atrás do último homem que guardava a fila.

Um puxão na orelha despertou os devaneios do arremedo de revolucionário. Avisado que fora por um cliente das pretensões do moleque, o pai o carregara a cabresto de volta ao lar. Razões não faltaram para que as comemorações do aniversário do pré-adolescente fossem definitivamente sepultadas.

O sobrado amarelo agora habitado pelos M.B. na encosta de uma imensa colina na Zona Sul da cidade era um casarão oitocentista. Das janelas e da varanda do segundo piso se descortinavam o frondoso arvoredo, a imensa mata nativa que circundava a região e, mais abaixo, o liceu das religiosas cujos muros costeavam a sede da paróquia. Alephpara não perder Maria do Carmo em definitivo aos domingos, faceiro e perfumado, em disfarçada contrição, presenciava as Missas na nova Paróquia onde ela, o cândido alvo de sua fascinação, representava um dos anjinhos na liturgia.

Aos sábados seguiam-se os domingos; os bondes rodavam em cima dos trilhos; os namorados passeavam de mãos entrelaçadas; as mulheres eram atentas e todos os maridos “funcionavam” regularmente, recitava Vinicius de Moraes. Antigos carnavais: pierrôs, colombinas e arlequins. A commediadell’arte engalanava as ruas e avenidas — palcos apoteóticos. A bossa nova e João Gilberto singravam n’O Barquinho as águas do Guaíba para ver a Namorada, a Garota de Ipanema. Cely Campello tomava Um Banho de Lua e Sergio Murillo se encantava com Oh, oh que broto legal… A “Pimentinha”, soberana, florescia no Clube do Guri, Baldauf embalava corações apaixonados nos Bailes da Reitoria e The Beatles e Rolling Stones disputavam a cabeça daquela geração.

Na paz estrelada das noites de longínquos verões, das janelas do sobrado amarelo, Maria do Carmo confidenciava aos astros os sonhos mais recônditos. Doía a alma do insuspeito enamorado se adivinhar alijado dos devaneios de Maria do Carmo.  Aleph consumia-se nas labaredas do ciúme e, em suas fantasias, ele a imaginava bailando, ao som da música em surdina, conduzida por braços outros que não os dele. Apoiado aos muros do Mosteiro Aleph a escudava de quimeras que somente ele via. Maria do Carmo, divindade, alçava voos a esferas inacessíveis aos comuns dos mortais. Sequer percebia a existência daquele errático apaixonado. Então ele se escarrapachava no último banco do bonde, àquelas horas quase vazio, e voltava pra casa, abatido, desencantado da vida. Erasmo, o condutor do elétrico, o espiava pelo espelho retrovisor. Respeitava o silêncio e a dor que o seu habitual passageiro das noites de domingo carregava em sua alma.Aleph percebeu que o seu primeiro referencial feminino mesclara-se em luzes e sombras do Firmamento…

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