O jardineiro, o chá e a poesia – José Alberto Silva

José Alberto Santos da Silva

O jardineiro convida para um chá em torno de sua mesa solitária. Quem sabe numa tarde qualquer, os escrevedores em geral aceitem reunir-se sem pauta de qualquer natureza, apenas para ouvir o silêncio, já que os ruídos do mundo nos ensurdecem ao nível do pânico dos autistas.

Se nossa mensagem já foi dita em páginas torcidas e retorcidas até lacrimejarem sangue, aos poucos, sintetizamos a percepção das coisas e, das poucas palavras, nos encaminhamos para o silêncio duma vez.

Quem sabe este convite, seja a forma de mútuo consolo e certeza de que não vagamos sozinhos, meio a papeluchos e dicionários que não dizem o que sentimos.

A mesa é redonda para caber a infinita diversidade do que somos. Este convite quer dizer-lhes do amor fraternal que nos une naquela casa astrológica que fala dos irmãos, filhos da matriarca Criação.

Primordial para o jardineiro – além de tudo que diga respeito a nutrientes e aromas florais – é conviver e alimentar-se da energia, saberes e sentimentos desses iguais na desigualdade, estapafúrdios no mundo real.

Embora ralo, penteio meu cabelo para cima, cada vez me parecendo menos comigo mesmo, e isto me causa apreensão de deformidade não meramente ocular.

Por essas e outras, eu e meus iguais queremos livramento do que distorcemos em nós mesmos.

Assim criamos a permanente comorbidade de lembrar paixões não vividas que nos aprisionam nas entrelinhas das dores de cabeça leves, mas persistentes. Se nos imaginamos em franca ascensão aos céus, feitos anjos de mentirinha, também nos vemos navegando no barco de um caixão, com a cara e a coragem de morrer.

Como pra nós o mundo parece girar no sentido contrário ao da maioria, vamos discutir política, religião e o tabu dos piores sentimentos para buscarmos, entre outras coisas, a cura para abusadores da inocente dependência das crianças, para chegarmos ao senso comum de que um Partido toma parte do pensamento social, como caminho para atender a geral cidadania, não apenas parte dela.

Em verões assustadoramente mormacentos, a natureza esconde o brilho do Sol avisando o quanto pode ser cruel em resposta ao nublado modo absurdo de nossos corações.

Eu convidaria para um café se não houvesse risco de alimentar dependências químicas, físicas e outras mais entre os irmãos de letras que a gente nunca sabe de onde podem vir. Afinal, pelo acesso ao acerto das palavras, alguns de nós arriscamos a sobriedade em dimensões viciosas, mesmo de olhos entre abertos como os iniciados no ocultismo almejando, em transe consciente, manter o auto controle em prol da maravilha das graças.

Porque mexemos com controversos seres da natureza não temos medo da escuridao mais graduada mesmo sob risco de enlouquecer o que não raro nos sucede. Ao final da tarde já fomos do chá até o vinho vagabundo saboreado como coisa dos Deuses. Ao sonharmos mentiras jamais aplicadas, aperitivamos o bacon gordurento da barriga do porco, comparado ao estômago de um texto, ambos mastigados como desafios de um enredo, pelo dever de pautar militância geral, social e politica.

É nossa a busca pela consciência do melhor, tanto nos céus como na terra, com justiça e perfeição, pelo sonho, cada vez mais distante de fazer a dignidade de mais gente. Desse ponto em diante, alguns passos levarão para os goles mais fortes das histórias mal contadas. Sabemos, no entanto, que aqueles que, por alguma sensibilidade, abusaram de si próprios, não precisarão ficar o resto de suas vidas sem o falso consolo do chá etílico, mas somente nas próximas 24 horas.

A maioria dos poetas convidados será descoberta pelo mundo daqui a (200) duzentos anos, desenterrados desse jardim, mal sabendo seus herdeiros das vezes que estivemos chorosos em torno de mesas como esta para repetir em sussurros, similitudes da energia poética da Prece do espírito Cáritas, psicografada pela médium Madame W. Krell, na França, no Natal de 1873.

Nessas ocasiões pedimos aos elementais que levem ao futuro o melhor de nossas intenções para salvar todas as almas. Certos de que haverá luz sobre nós, se o Fernando Baril andar por perto, é capaz que de suas impressões ele pinte o momento em que anjos derramem sobre nós as bênçãos da criação. Bênçãos que cairão em forma de recado definitivo de que pra nós, não há alternativas fora da ideia de acreditar!

Lá do fundo do estômago, amamos sem querer e somos amados sem saber as razões de merecer. Não há alternativas fora da ideia de acreditar que podemos iluminar o espírito do mundo, a partir da chave de um ou de vários amores.

Noutra tarde nublada e quente, um vizinho risonho, achando graça do que não se ri, disse haver me flagrado conversando com o matagal, área de preservação ecológica que embeleza o Urubatã. Respondi-lhe que era questão de religião. Como as pessoas alegam obrigação de religiosidade para coisas e situações mais inesperadas, ele acenou afirmativamente com a cabeça para demonstrar tolerância com minha religião, sem saber que na verdade, não sei se tenho uma.

O Urubatã arborizado atrai crentes que misturam galhos com preceitos contraditórios como Cristo e tiroteios, oferendas e maldições, mas que já inspirou artistas plásticos como Paulo Correa, Vinícius Vieira, Pelópidas Thebano e militantes de inspiração política como uma Lanna Campos.

No Urubatã passeiam crianças que emocionam até o coração de gente com mão ruim, ao vê-las conduzir cães e gatos em carros de bebê. Os que tiverem ouvidos de sentir perceberão o dedilhar ao longe do violão virtuoso do João Sete Cordas. No Urubatã tem recantos que prometem alegrias para o ano que vem, mas que hoje fazem as alegrias de vovozinhas verdejantes.

Sonha o jardineiro com redesenhos do pensamento do mundo, outras entonações para o emprego do verbo e de ações direcionadas ao bem comum.

Pode? Coisas de maníacos? Utopia? Pirando juntos, para que ninguém nos ouça em meio ao matagal, poderemos sussurrar em nossos ouvidos recíprocos sobre ventos que não sabemos de onde sopram, sobre arrepios e vertigens causados por ideias que perpassam por nossos corações como entidades interplanetárias, quando tudo que queremos é fincar pé em nossa própria humanidade, diferentes dos irmãos que preferem partir para o além; enfim, quem sabe nossas lágrimas façam brotar em terras do mundo, a partir desse jardim, novas cepas da poesia, já que tudo que fazemos é arte.

Que venham os que estiverem perto da Cidade de Urubatã. Recepcionados nos vários helipontos, aeroportos, marinas e rodoviárias, acomodados em hotéis e pousadas para conhecer as várias atrações culturais, escolas, liceus de Belas Artes, estúdios fotográficos, bibliotecas, teatros e cinemas.

Diga-se que se tal ocasião não será em homenagem a ninguém em especial, será tributo à perspectiva do melhor que há no mundo e que almejamos ajudar com a dor do nosso trabalho. Pelas dificuldades iguais, nenhum poeta se sentirá maior que outros pela simples glória de ler o esforço feito por outros. Todos caberão no entorno dessa mesa, ainda que representados por um só coração, um só pensamento.

José Alberto Silva

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