O Libelo de Capitu – Sergio Agra
Quando por vez primeira minh’alma arrebatada
mirou “aqueles olhos que o diabo te deu
– olhos de cigana oblíqua e dissimulada”* –,
“o dia estava lindíssimo,
em que refulgia o Astro Rei, colossal.
Não era só um domingo cristão,
era um imenso domingo universal”**
E, teus olhos,“apesar deles, poderias passar,
se não fosse a vaidade e a adulação.
Oh! a adulação!”*,
em que tudo acontece,
no sorriso que inebria e entontece,
pois “há em cada adolescente um mundo encoberto,”*
que permite pelas paixões ser descoberto,
como sol poente de um céu aurirrubro.
Enigmática Capitu,
“aos quinze anos, há até certa graça
em ameaçar muito e não executar nada”.*
Conquistaste os afetos
do Bruxo de Cosme Velho
– o que não te exigiu maior esforço –,
sagrado escaravelho,
pois és o Sol, que renasce de si mesmo,
tal como um deus egípcio que sempre volta.
Porém, por razões insondáveis,
não me convidaram para o Júri
de tua uníssona absolvição
(por certo,toda a unanimidade é burra!).
“Eu não sou homem que recuse elogios.
Amo-os; eles fazem bem à alma e até ao corpo.
As melhores digestões da minha vida são as dos jantares
em que sou brindado”***,
não somente um convidado.
“Que importa o tempo?
Há amigos de oito dias e indiferentes de oito anos”. ***
Renuncio à poética do véu
que até então encobriu o céu
do teu amor proibido,
dos teus segredos e devaneios,
dosteus recônditos desejos
dos quais foste inocentada.
A Bentinho até foste desvelada.
Porém, eu te acuso!
Traíste, sim,
minh’alma agora atormentada…