O Sono do pecado - José Alberto Silva - Litoralmania ®
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O Sono do pecado – José Alberto Silva

O Sono do Pecado

Antigo fumante tem saudade tabagista. Comuniquei a carcereira que iria comprar cigarros logo ali. A nicotina disse não. Insisti sem orgulho. O “não” agora, só porque ela está linda com os cabelos pintados de azul pedreira teve entonação de mãe com filho guri. – Não saia do portão, Bunito! Decidi pular o muro. Curioso é um velho pular pra fora o muro da própria casa. A grade do meu Cadeião tem a altura de pontiagudas ferrugens. Santos, anjos e demônios que habitam em mim fazem milagres. Se não pulei, passei no vão entre as grades para ver uma Dona. Esqueci de situações esdrúxulas, engraçadas e perigosas pós-orgasmo. Fiz fiascos por caminhos não usuais da realização amorosa. Hoje me esqueço disto porque minha ardência sexual é sazonal.

Eletrizante ao primeiro olhar eu fui à casa desta incandescência. Queria resgatar aquela promissória de arreganhos pela única vez que fosse. Nem meu nome ela sabia. Vivia com sujeito chamado Nego Raul, descendente do Raul do Tango; mal encarado fugitivo do sistema penal argentino que exterminou negros naquele país. Vigiava a mulher com olhos procurinos de ladrão; levava uma tornozeleira em cada perna, sem sinal de alcance para atravessar fronteiras. Em um Mercado cujo Gerente toca sambas do Sul em volume acima do som ambiente, encontrei o sorriso dela e prometi visita para o dia seguinte. Algo demonial dizia que eu podia pular aquela cerca trinta e seis anos mais nova. Despedimo-nos aos estalados e descarados beijos melados, lambidos e cuspidos; fumaceira certa de fogo subterrâneo.

O Sol da Primavera iluminava o matagal do Urubatã, mas o vento forte sacudia suas árvores explicando o ar enregelado. Velho coroa com o vírus da fuga pelo signo te sossega. Subi e desci quadras em insuficiência respiratória. Abraços e salivas em flor. Fomos ao chão. Não lembrava de afeições lascivas de uma explosão feito mulher. Antes de desfalecer como sói me acontecer a ouvi ao longe repetir pra eu sair. Fora um descortinar de panoramas bundais. Gordota suadinha exibia seus pecados para escorregar em mim sua mentalidade aberta. Na liberdade de nossos movimentos, pela fluidez líquida de nossa transpiração febril, tornamo-nos forma e recipiente um do outro. Eu me tornaria paciente, feliz e produtivo. O mundo teria nova inteligência, nova rotação e transfiguração após aquela consagração ao arreto.

Voltei uma semana depois. Saí me abotoando. Na casa espichei olho enviesado; evaporou-se a transpiração da paixão. Não lhe permitiria apegar-se a mim até agindo mal para fazê-la desistir. Casa fechada. Senti o ambiente. Parei e bati palmas. Em pane, perguntaria por vizinho hipotético. Vizinha do lado, velha oxigenada de raízes negras, abriu a janela e gritou:

– Se mudaram! Graças a Deus! Tava vendo a hora que ia dar merda com esta tchenga! Não deixaram endereço; não sabiam onde iriam ficar. Ela recebeu a visita de uma mulher que prometeu contar para o Nego Raul, que a mulherzinha dele tinha um amante aqui do Urubatã, e que este amante era marido dela chamado Bunito. A mulher disse isto aos gritos. Tem voz de professora de colégio de periferia. Mulher velha, mas muito bonita; chama atenção pelo azul dos cabelos.

Gelei. Suei. Aflouxei. Minha cueca! Cheirosinha e limpinha! Novinha, novinha! O atingido por raio saberá descrever a experiência? A cueca manchada estava com umidade pegajosa. Nem por piedade tive coragem de cheira-la. Não prestou mais. Lamentei perda total paga pelo seguro da incerteza no futuro.

Eu ouvia a oxigenalda e outra mulher duas casas adiante, de sua janela chamava atenção ao me observar com misterioso silêncio de quem queira dizer algo. Jogava os cabelos para um lado e outro. A velha falava:

– A mulher do Nego Raul, chamou a Cabelina, – apontando para o lado – uma vizinha trans, para ficar com o Bunito até ele acordar depois da saliência; se o marido chegasse, explicaria aquele homem na casa do casal. Diz ela que não tiveram nada porque o Bunito chegou com falta de ar.

A mulher trans indicou que a velha se referia a ela. E a velha continuou: – saíram dias depois do escândalo do cabelinho azul e foram para o heliporto daqui. – E relatou: – Eu me identifico com ela, sabe? Jovem e até há pouco eu rolava no chão! Eu era da turma das cachorras, de partir pro pau com um e outro sem levantar da cama, aqui mesmo nos cabarés do Urubatã. Ela torce que prendam ele, mas avisei ela sobre o feminicídio! Ela cobra, mas eu não cobrava pelo atendimento por amor à arte, ganhava presentes, eu era muito linda. Não se mistura dinheiro com coisas sagradas, o senhor não acha?

Era meu desmaio após a transa! Lembrei que ela me sacudia e dizia para eu ir embora. Altos e baixos que matam! Ela sofre nas mãos do corno argentino! Será que a Rainha Doce me seguiu depois que passei entre os ferros da grade? Lembrei do Lupi:

“Ela disse-me assim”
Por que tu não tens pena de mim
Ele pode aportar já que mora aqui
Por favor vades reto seu desgraçado!
Está na hora do boi brabo beber água

“Ela sofre somente porquê
Foi fazer o que eu quis
E o remorso está me torturando
Por fazer a loucura que fiz
Por um simples prazer
Fui fazer meu amor infeliz”

O Lupicínio Rodrigues que me perdoe. Esquecido de mim e da letra de ELA DISSE-ME ASSIM. A velha repetia e eu cantarolava o arrependimento. Era isto! Eu devia “ir embora”. Voltar pra casa e conhecer o lado escuro do inferno! Tinha carga de emoção para chorar o tema culpa do meu jeito.

Desde a adolescência das novidades sinto soneira que já me fez dormir de pé feito cavalo e já fui jogado em calçadas porque pensaram que eu estivesse morto. Já acordei no Pronto Socorro da Osvaldo Aranha, enfim, peripécias do pós-coito. Abatido conversei com amigos. Só não pensei que fosse tanto. O orgasmo, principalmente no homem, reduz o estresse e traz bem estar social total e geral; dizem que excita a adrenalina simpática e depois relaxa pra dormir na casa de outra vizinha melada, a melatonina que adormece a simpatia do macho.

Bati no portão e a Rainha Doce abriu perguntando como saí semana passada se o portão estava fechado e abandonei o cigarro há anos? De novo respondi:

– O portão estava aberto! Lembra que não achei meu cigarro na redondeza?

A noitinha, a Rainha Doce me ofereceu meiga sopinha. Se olhasse pra mim veria que de preto pardo eu me filiava à raça do preto cinza que é o negro candidato ao enxovalho, a exploração e à morte para dar exemplo da dureza das leis do país. Eu tremia nos altos e baixos por uma chave secreta guardada num velho vaso depósito de coisas. Régua e esquadro, dúvidas e mentiras. Tudo ali. Até a Bíblia para o caso de uma fuga com Deus. Uma mulher e saio do torpor do orgasmo com uma mulher trans. Teria eu um orgasmo putativo? Vou saber após uma colonoscopia bem feita, um exame de próstata bem mexido ou exame de vergonha na cara. “E o remorso está me torturando…” A estupidez mata igual a maldade. Sorvi a sopa quente fingindo concentração enquanto ela, sem jantar, tentava o adestrar nossa nova cachorrinha chamada – Flordelis!

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