O Suicídio – coesão e responsabilidades sociais – Sander Fridman
Num tempo em que ainda engatinhavam a formulação e o desenvolvimento de psicoterapias e outros tratamentos psiquiátricos e psicológicos efetivos para as doenças mentais, David Emile Durkheim, o assim chamado Pai da Sociologia Científica, publicou, em 1897, na França, um importante livro intitulado “O Suicídio”, em que apresentou metodologias de investigação conceitual e empírica inovadoras, abordando um problema comumente compreendido psicologicamente através de uma inovadora perspectiva sociológica, a partir da observação de que diferentes sociedade, inicialmente comparando Inglaterra, França e Dinamarca, e depois outros países europeus, apresentavam incidências de suicídio muito diversas entre si, podendo diferir entre si entre 100-200% na mesma época, e atribuiu essas diferenças à forma como estas sociedade viviam, se relacionavam e pensavam.
Identificou que indivíduos em sociedades de baixa integração social, de baixo nível de interdependência afetiva, e de baixo nível de controle social, como nas ditas sociedade orgânicas, ou modernas, apresentavam uma tendência maior a apresentar condutas suicidas narcisistas (chamadas na literatura de “egoístas”, inclusive pelo autor, mas que se referem ao sentimento de isolamento, de irrelevância socio-afetivo para com um grupo social – religioso, geográfico, étnico, etc, relacionadas com fatos da vida que abalam o já baixo senso de importância de si mesmos para sua comunidade) e anômicas (relacionadas com um sentido de irresponsabilidade para com outras pessoas de seu círculo de relacionamentos, que seriam de outro modo importantes, ficando assim mais vulnerável à vontade de desistir de viver, diante das decepções da vida, não se sentindo responsável por nada nem ninguém, nem sentido que seu ato será de algum modo punido ou reprovado – por atos dos homens ou dos Céus).
Por outro lado, sociedades que são excessivamente coesas, em que a vida individual praticamente inexiste, perdendo-se os sentimentos e as necessidades das pessoas em meio ao destino, os interesses e os sentimentos de seu grupo social, em que as pessoas cobram e interferem intensamente na vida umas das outras, ainda de acordo com as pesquisas de Durkheim, gerariam também uma tendência a atos de suicídio, agora decorrentes da incapacidade da pessoa para tolerar a eventualidade de vir a decepcionar sua família, seu grupo social, sua cultura, levando a ao Suicídio Fatalista.
Em situações históricas extremas, indivíduos que são parte deste tipo de cultura, de sociedade, poderão mais comumente se virem em atos de Suicídio Altruísta, ou seja, dando ou expondo sua vida por um valor maior, em favor de sua família, sua comunidade, sua cultura, sua etnia – como o pai que se lança a uma situação de extremo risco para salvar seu filho ou esposa, a honra de sua família ou nação.
A rápida transição de uma sociedade entre um modo social de forte coesão, forte controle mútuo, fortemente conservadora e muito pouco liberal (sociedade tradicional, conservadora – solidariedade mecânica) para um outro modo com baixa coesão, baixo controle mútuo e fortemente liberal (sociedade moderna, liberal, individualista – solidariedade orgânica), pode facilmente gerar nos indivíduos experiências psíquicas críticas, no sentido de se perceberem nos extremos, debatendo-se entre os polos liberal-conservador, entre seus sentimentos de lealdade para com seu individualismo e seu laço familiar-comunitário, entre as provocações e ousadias da liberalidade contemporânea e a necessidade insuspeita de pertencimento e aprovação em relação a seu grupo social, étnico e religioso.
Conquanto estes fatores podem determinar diferenças na inclinação e nas estatísticas de suicídio entre sociedades, comunidades e nações, não explicam por que justamente este ou aquele indivíduo específico acabaram por expressar, no curso de suas próprias vidas, este risco ou conduta. Num dado contexto social e histórico, a presença de um adoecimento psiquiátrico do indivíduo costuma ser o principal fator determinante de um ato suicida, para o qual costumam contribuir fortes sentimentos de dor emocional, fracasso, desesperança e desespero, não raro decorrentes de graves distorções da realidade, amplamente passíveis de tratamento e prevenção por vários tratamentos disponíveis e eficazes nos dias de hoje.
O elemento de distorção perceptiva, de erro de avaliação, que conduz à desesperança e ao ato suicida, fica evidente ao percebermos que, dentre os sobreviventes de tentativas de suicídio, 90% não tentarão novamente. Muitos terão se arrependido do ato em menos de 1 minuto depois de tomarem a iniciativa suicida potencialmente letal – pulares de uma ponte, tomarem um veneno – como nos contam as histórias dos sobreviventes.
O suporte à pessoa suicida, ou seja, que se vê contemplando a possibilidade de um tal ato, demanda do profissional conhecimentos seguros sobre o tratamento das doenças mentais, a capacidade de lançar mão de recursos eficazes para o controle dos sintomas e do sofrimento, e a capacidade para abordar serenamente os aspectos racionais, éticos e espirituais que envolvem a classe de escolhas com que o paciente se depara e se impõe.
*O Dr. Sander Fridman é neuropsiquiatra, psicanalista cognitivista e psiquiatra forense.
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