Operação apura pagamento de propina na compra de produtos de combate à covid-19 em prefeituras do litoral
O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco – Núcleo Saúde), do Ministério Público do Rio Grande do Sul, cumpriu nesta terça-feira, 20 de julho, 26 mandados de busca e apreensão em oito secretarias municipais de Cidreira, Imbé, Balneário Pinhal e Tramandaí.
Foram alvos da operação um ex-prefeito, um vereador, três secretários municipais, seis servidores públicos, um representante comercial, quatro empresários e três empresas.
Os mandados de busca e apreensão se estenderam para os endereços comerciais e residenciais dos investigados, todos em Balneário Pinhal, Canoas, Cidreira, Imbé, Porto Alegre, Tramandaí e Xangri-lá.
A Operação AI-Covid 3, conduzida pelo secretário-executivo do Gaeco e coordenador do Sistema Integrado de Investigação Criminal (Siscrim), João Afonso Silva Beltrame, e pelo coordenador do Gaeco – Núcleo Saúde, Marcelo Dossena Lopes dos Santos, foi acompanhada pelo subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do MPRS, Júlio César de Melo, e teve apoio dos promotores de Justiça de Tramandaí Karine Camargo Teixeira, Mari Oni Santos da Silva e Rodrigo Ballverdú Louzada e da Brigada Militar.
Foi desencadeada para coibir possíveis práticas de preços abusivos, pagamento de propina e outras infrações à ordem econômica e popular nas compras de insumos laboratoriais e produtos médico-hospitalares para combate e prevenção à pandemia de Covid-19, com medidas cautelares que proíbem o representante comercial, os quatro empresários e as três empresas de contratarem com o poder público. Com o material apreendido, os promotores poderão aprofundar as investigações para responsabilizar os demandados.
“Em meio a um período de tanto sofrimento, cujos imensuráveis efeitos seguem atormentando a população, impõe-se a firme e contundente atuação do Ministério Público para coibir as práticas criminosas daqueles que, movidos pela ganância e insensibilidade, vislumbram a crise sanitária apenas como mais uma oportunidade lucrativa. O esquema criminoso, direcionado a lesar o patrimônio público, hoje esbarra nessa operação que, a exemplo de tantas outras já realizadas pelo Ministério Público, bem demonstra que o combate à criminalidade organizada figura como prioridade na nossa atuação estratégica”, ressalta o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do MPRS, Júlio César de Melo.
INVESTIGAÇÃO INICIOU EM 2020
Beltrame explica que a ofensiva resulta de uma investigação iniciada em 2020 que constatou a falsificação e adulteração de álcool em gel 70% vendido a diversos municípios do Estado. Com as provas colhidas nas duas fases anteriores da AI-Covid, o MP se deparou com um esquema criminoso ainda maior de corrupção, peculato e fraudes a licitações enraizado em Tramandaí, Imbé, Cidreira e Balneário Pinhal.
O grupo conta com participação de agentes públicos destas cidades que, por meio de um representante comercial, recebiam propina para beneficiarem três empresas em procedimentos licitatórios ou compras diretas.
Conforme a apuração, o representante comercial e o empresário líder do esquema tinham conhecimento prévio dos preços ofertados pelos concorrentes a essas prefeituras para que pudessem oferecer preço mais baixo e vencer o processo de compra, o que, evidentemente, não é feito em benefício dos municípios, mas, sim, dos envolvidos na transação. “Fica evidente, que os representados lesaram todas as comunidades dos municípios de Tramandaí, Balneário Pinhal, Cidreira e Imbé ao agirem assim durante a pandemia de Covid-19, demonstrando a ganância e o desprezo pelo serviço público e pela sociedade”, observa Beltrame.
Na coletiva de imprensa realizada nesta terça-feira, Beltrame citou uma conversa de junho de 2020 em que o representante pede para o empresário líder do esquema entrar em contato com um secretário de Saúde: “Não esquece de dar uma ligadinha, manda as gurias ligar lá para o secretário. O cara (secretário) ia fazer um pedidaço lá, aquele que eu prometi uma propinazinha”.
DE AVENTAL A SACOS PARA CADÁVERES
Os empresários e o representante comercial faziam questão de oferecer os mais diversos tipos de produtos – de avental e máscara a sacos para cadáveres – com a intenção de manter o esquema funcionando e se beneficiarem, posteriormente, com a venda do produto principal: o álcool em gel adulterado, comprovadamente ineficaz contra a Covid-19, mas ofertado pelos falsários para combate à pandemia. Por ser adulterado, esse álcool em gel semelhante a uma cola, como referido em uma das conversas interceptadas, foi alvo da primeira fase da operação AI-Covid, desencadeada em 28 de outubro de 2020, em Uruguaiana. De acordo com laudo da Secretaria Estadual da Saúde, o produto tem percentual de 55,7%, valor inferior aos 70% que consta no rótulo.
O promotor de Justiça Marcelo Dossena Lopes dos Santos ressalta que essas conversas evidenciam a existência de conluio de empresários e do representante comercial com servidores de prefeituras para fornecimento de orçamentos fraudulentos para aumentar o preço dos produtos, burlando a competitividade do certame e causando prejuízos ao erário. “As mensagens demonstram a fraude aos procedimentos licitatórios, por meio de uma atuação criminosa organizada, sendo que um dos empresários tem acesso facilitado aos setores de compras de diversas prefeituras, oferecendo produtos, tendo acesso aos preços praticados pelos concorrentes, fornecendo orçamentos de outras empresas e, por fim, fraudando os processos de compras e a competição de preços”, pontua Dossena.
Para Beltrame, os fatos são gravíssimos e demonstram que, mesmo em um momento de “fragilidade no mundo, assolado por uma emergência em saúde”, a corrupção não tira férias. “As legislações que dispõem sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública causada pela Covid-19 foram editadas com a finalidade de desburocratizar o setor público, que deveria agir com urgência na tomada de medidas preventivas, mas, infelizmente, elas não foram assim entendidas por alguns daqueles que deveriam zelar pelo patrimônio público”, lamenta Beltrame.
MP RS