Os círculos do inferno - Sergio Agra - Litoralmania ®
Sergio Agra
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Os círculos do inferno – Sergio Agra

OS CÍRCULOS DO INFERNO

Capítulo XXVI Da Série As Crônicas de Aleph

Aleph fez uma longa pausa. Mirou as copas das árvores que circundavam os muros do jardim da Clínica. Num só fôlego continuou o relato.

— “2º Círculo — Luxúria.

Orientado por Minós, segui diretamente para o Segundo Círculo. Ali se achavam os luxuriosos, incessantemente arrastados pelas ventanias e, em ais, choros e lamentos, aquela multidão de malditos era lançada aos precipícios e abismos. Assim sofriam de modo horrendo os que se se dedicavam aos vícios carnais. — “Vislumbrei Semíramis, esposa e herdeira do trono de Nino. Adiante, avistei Dido, que morrera por amor, traindo as cinzas de Sique, a quem jurara fidelidade. Reconheci a libidinosa Cleópatra e seus amantes Júlio César e Marco Antônio. Percebi em meio às sombras Helena, esposa do Rei Menelau e causa de muitos males. Cedera às tentações de Afrodite e deixara-se ser sequestrada por Páris que a levou para Tróia. Ali ainda estavam Aquiles, lançado ao último combate pelo amor, Tristão, que se consumira na sua paixão impossível por Isolda. Paolo e Francesca da Rimini, cunhados adúlteros, mortos pelo marido traído. Os casal de amantes fora surpreendido quando liam a lenda onde Lancelote, apaixonado por Guinevere (esposa do Rei Artur), é induzido a beijá-la por Galeoto. Galeoto, portanto, inspirara Paolo e Francesca a se beijarem também, quando foram surpreendidos e mortos. Distingui, ainda, Giovanni Malatesta, que matara um parente sem ter lhe dado oportunidade de defesa, punido na Caína onde sofrem os traidores de parentes”.

A voracidade e esmero com que Aleph havia me descrito o Círculo da Luxúria deles se serviu para descerrar os véus dos demais.

— “3º CÍRCULO — GULOSOS
Os glutões ficam afundados na lama, sem poder falar com os vizinhos, e são açoitados por uma chuva de neve e granizo. Para piorar, sofrem com a assombrosa presença de Cérbero, o cão de três cabeças da mitologia grega, que os morde sem dó.

4º CÍRCULO — AVARENTOS E ESBANJADORES.
Quem foi pão-duro demais ou gastou além da conta fica por aqui. Numa analogia à roda da fortuna, a pena de quem não soube lidar com as finanças é passar a eternidade rolando grandes e pesadas pedras e colidindo incessantemente uns com os outros.

5º CÍRCULO —IRADOS E RANCOROSOS.
O suplício de quem não controlou a raiva é viver mergulhado na lama nojenta do rio Estige. Lá, os irados ficam batendo, chutando e mordendo uns aos outros. No fundo do rio, os rancorosos, que nunca externaram sua ira, suspiram borbulhas fedorentas.

6º CÍRCULO —HEREGES.
Atrás das muralhas da “Cidade da Dor Eterna”, os que não acreditaram na existência de Deus queimam em brasa dentro de tumbas abertas. Aqui fica a fronteira entre os pecados cometidos sem intenção e os executados conscientemente.

7º CÍRCULO —VIOLENTOS.
Assassinos, tiranos e assaltantes levam flechadas no rio de sangue fervente. Na floresta, suicidas viram plantas devoradas por harpias, enquanto blasfemos, sodomitas e agiotas se “refrescam” na chuva eterna de brasas, em pleno deserto.

8º CÍRCULO —FRAUDADORES.
São dez valas circulares, uma mais profunda que a outra, onde são punidos os enganadores —de ladrões a puxa-sacos. Eles levam surras de demônios chifrudos, são enterrados de cabeça para baixo, fervem na lava e são picados por cobras.

9º CÍRCULO — TRAIDORES.
No fundo do inferno, ficam os que cometeram o pior dos crimes: a traição. Eles mergulham num lago congelado, chamado Cócito, ficando só com a cabeça e o tronco de fora. Os queixos batem de frio e suas lágrimas congelam, levando-os ao desespero. No centro do nono círculo, o próprio Lúcifer se encarrega de torturar os que traíram os próprios benfeitores. O coisa-ruim tem três cabeças e em cada boca tritura um traidor: Judas —que traiu Jesus —, Brutus e Cássio —traidores de imperadores romanos.”

Ao final da quimérica narrativa Aleph transpirava como se verdadeiramente recém tivesse saído de uma fornalha onde reinavam temperaturas insuportáveis. Seu olhar, no entanto, denotava quietude, serenidade. E foi com esta mesma tranquilidade que ele arrematou, — “Sinceramente, amigo! Não sei se realmente vivenciei aquele inferno ou se tudo aquilo não passara de um terrificante pesadelo”. Após uma longa pausa esclareceu, — “Foi quando ouvi, ao longe, o murmúrio de um arroio. Somente pelos ouvidos segui seu longo e tortuoso curso até lograr o regresso ao claro mundo superior e chegar a este lugar onde agora me encontro…”.

Percebi, então, que todo o delírio e alucinação de Aleph eram oriundos de sua mais do que obsessão, mórbida paixão pela Literatura, sobretudo pelo maior poeta italiano da Literatura Medieval: Dante Alighieri. No entanto, havia chegado o momento de interferir e ter uma conversa cabal, definitiva com Aleph.

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