Outro valor mais alto se alevanta – Jayme José de Oliveira
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
“CESSE TUDO O QUE A MUSA ANTIGA CANTA,
QUE OUTRO VALOR MAIS ALTO SE ALEVANTA.”
Na terceira estrofe de “Os Lusíadas”, obra-prima de Luiz Vaz de Camões, os versos inflamados “CESSE TUDO QUE A MUSA ANTIGA CANTA/ QUE OUTRO VALOR MAIS ALTO SE ALEVANTA” significam que tudo que foi escrito antes deveria ser esquecido porque agora ele iria falar de algo mais importante. Transportando para os tempos atuais, quantas vezes, no decorrer da vida efervescente somos atingidos por algum fato inesperado, uma surpresa sem precedentes ou alguma notícia que abala nossa estrutura!
Seja o que for que esteja nos ocupando ou preocupando neste momento, as prioridades mudam de supetão e o que era admitidotacitamente em consenso como, por exemplo, o direito de protestar por direitos vilipendiados entra em choque com valores mais abrangentes, incomparavelmente mais significativos e indubitavelmente preponderantes. O INTERESSE COLETIVO SOBREPUJA O INDIVIDUAL, mesmo o de grupos e corporações. Por mais fortes e coesos que sejam. SEMPRE. Mesmo que razões históricas e recentes deem motivos para a revolta dos caminhoneiros, uma nação inteira não pode se tornar refém indefesa de corporações. NUNCA.
Na Constituição em vigor, a liberdade de locomoção está garantida pelo inciso XV do art. 5º, que assim dispõe: “É livre a locomoção no Território Nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. É o chamado direito de ir e vir.
Como emana do próprio texto constitucional, o direito à liberdade de ir e vir não é absoluto, tendo em vista que está sujeito às limitações contidas no próprio dispositivo assecuratório, que se reporta à lei regulamentadora.
O direito de ir e vir, como todos os direitos, tem, inicialmente, COMO LIMITE NATURAL O DIREITO DO OUTRO. NÃO PODE ALGUÉM, COM BASE NO DIREITO DE IR E VIR E PERMANECER, POR EXEMPLO, OBSTAR À PASSAGEM DE QUEM TAMBÉM ESTEJA EXERCENDO SUA LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO. “Em verdade, não há direito absoluto, o ‘interesse público’, por ser comum se superpõe ao interesse individual”.
Dessa forma, a Constituição Federal harmoniza o direito de manifestação com a ordem pública. HÁ PLENA LIBERDADE PARA SE MANIFESTAR, MAS ELA NÃO PODE SER PRETEXTO PARA A VIOLÊNCIA OU A DESORDEM. São coisas bem diferentes e saber distingui-las é tarefa de todo cidadão.
Não se pode debitar, desta vez, às injunções políticas a paralização nacional dos caminhoneiros. O staff do governo se encontra emparedado pelo movimento e, aparentemente,não vislumbra uma saída em curto prazo. E é urgente. Mesmo setores de partido(s) oposicionista(s) se manifestam contrários. Os prejuízos mastodônticos que se acumulam e, simultaneamente, infernizam a vida dos cidadãos brasileiros provocaram uma união inesperada de forças diametralmente opostas.
“Os contextos históricos nos ajudam a compreender o presente. O “lock out” – prática ilegal perante a legislação brasileira onde se impede o acesso dos trabalhadores aos meios de trabalho, ou simplesmente se bloqueia o acesso ao trabalho através do uso desproporcional da força econômica – foi a “gota d´água” para a queda do governo de Salvador Allende, no Chile, em 1973, e também no Brasil de 1964, por criar um clima favorável ao golpe civil-empresarial-militar que derrubou o governo de João Goulart e nos jogou em 21 anos de ditadura.Sem querer fazer alarde, mas esse “lock out” que começa a afetar o abastecimento de alimentos, combustíveis, correios e serviços diversos, em poucos dias estabelecerá uma crise de desabastecimento, desencadeando o caos social”. (Daniel Samam – coordenador do Núcleo Celso Furtado, PT/RJ, membro do Coletivo Nacional de Cultura do PT)
Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado