Para onde foi o mar - José Alberto Silva - Litoralmania ®
José Alberto Santos da Silva
Colunistas

Para onde foi o mar – José Alberto Silva

Numa manhã fria de agosto em vários carros um grupo de amigos dirigia-se pela Free Way alegremente em direção ao litoral norte gaúcho.

Nos carros estão grupos em SUvs e o carro com um casal mais velho que censura a maneira de uns e outros dirigirem de forma arriscada, brincalhona e risonha, confiantes na bem ajustada potencia de seus carros.

A relação de amizade entre os jovens era de cumplicidade e união fraternal de muitos anos e com aquele passeio comemoravam conquistas, novos entendimentos, a superação de questões sociais, profissionais ou amorosas, em razoáveis padrões de liberdade e bons costumes. Observava-se que nenhum deles passava dificuldades sem assistência e solidariedade dos demais. A franqueza quase solene entre eles não deixava de se colocar como necessidade do próprio respeito. Na capota das camionetas via-se pranchas de surf empilhadas para a pratica do esporte. Entre brecadas festivas e cavalinhos de pau desceram de seus carros para ocuparem bela e enorme casa espalhando-se entre seus cômodos. Os velhos fazendo reparos no comportamento dos jovens, montam a mesa para o que seria o almoço dos que podem escolher. Em atenção a seu rádio o velho não ligava muito ao que se passava na churrasqueira.

Em meio a este ambiente descontraído de praia, dois casais foram até a praia. Não voltaram como eram esperados para o almoço e o velho logo diz que eles devem ter decidido almoçar noutro lugar:

 – Ou então… – sugestionou o velho reticente. Ninguém perguntou mas ele completou: – Nada, nada!

Ajeitadas as pranchas os casais dirigiram-se a praia. Espavoridos observaram vários órgãos de comunicação fazendo reportagens e o grupo se separou, atordoados pela movimentação de carros de resgate, helicópteros, Defesa civil e Polícia. Separados lembraram os amigos que se dirigiram a praia de manhã e não voltaram. Sem saber o que estaria havendo, voltaram para seus carros e foram com inúmeros carros em direção para onde estaria o mar. Centenas de carros incursionavam no que seria o mar a dentro curiosos por tirarem a dúvida do que teria se sucedido. Quilômetros à frente viram o retorno de alguns, diminuindo em muito a companhia dos que continuavam andando em busca do mar. Após dirigirem por mais de quinhentos (500) quilômetros, assim como outros, decidiram voltar para a avenida beira mar. Fizeram o balão e voltaram para manter, sem conseguir, posicionarem-se como se faz normalmente no trânsito pelo lado direito. Antes andavam rumo ao horizonte do mar e agora nesse retorno já andavam mais de mil quilômetros como se estivessem sendo sugados para algum buraco negro.

Estranhamente seria cedo para anoitecer vertiginosamente já que relógios e aparelhos já não marcavam quilometragem, faróis, nada e a escuridão se abatia. Aceleravam pra frente, mas paradoxalmente andavam para trás. Não havia estrada nem caminho a seguir mas sentiam estar em movimento sem, no entanto, sentirem solavancos como se flutuassem na dimensão do irreal. Os carros que estavam atrás perdiam-se na bruma da noite e eles seguiam supostamente em retorno escuro sem enxergar nada nesse breu até perceberem que somente o carro deles rodava.

Alguém se deu conta que já andavam por mais de dois (2) mil quilômetros e não reviam a terra firme menos ainda a Avenida que os levaria pra casa. Sim, era o que todos queriam: voltar pra casa! A energia que mantinha o carro em que estavam, vinha da própria atmosfera do imponderável no leito seco do Atlântico sul. Não sentiam fome, frio ou cansaço e isto não entrou na consideração deles quando avistaram uma luz num lugar distante pra irem em sua direção, sem se darem conta que dirigiam pra frente mas paradoxalmente andavam pra trás. Com atenção presa naquela luz, sentiam que ela é que se aproximava deles lentamente. Olhando ao redor, viram que outras luzes semelhantes brilhavam com igual intensidade e perceberam que ora eram atraídos por uma luz ora por outra e outra e assim sucessivamente, sem fixarem direcionamento para nenhuma delas.

Sem definirem a razão combinaram fixar-se no ponto luminoso mais alto visto que as luzes estavam enfileiradas no sentido vertical. Quando os quatro fixaram olhar no ponto mais alto daquela fileira de pontos luminosos, foram atraídos pra ele num piscar de olhos. Ao entrarem nele foram ofuscados por intensa luminosidade. Ao adaptarem as vistas não entendiam o que viam e pela ilusão da juventude esperavam recepção de boas vindas. Circularam por reluzentes calçadões entre prédios de formato e utilidade incompreensíveis que não lhes davam qualquer ideia de praticidade ou expressões de arte. Alguém lembrou suas aulas de Geografia comentando que dos oceanos mais profundos o Pacífico deve ser o campeão visto medir em torno de 10.984, (dez mil novecentos e oitenta e quatro quilômetros), próximo a fossa das marinas.

Os quatro jovens observaram que quanto mais fundo mais aberracionais e selvagens eram os elementos que habitam os vários estágios de profundidade por onde viajaram, cada um com diferentes características. Para cada civilização difícil e rara era a subida de seus elementos até a crosta terrestre onde habita nossa humanidade. Nos mundos superficiais nascem os pescados, nosso alimento, de convivência comum com os humanos. O que nossos personagens pensaram ser o ponto mais alto da fileira de pontos luminosos na verdade era o primeiro que eles percebiam da perspectiva em que estavam. Naqueles pontos luminosos era onde se circunscreviam várias civilizações colocadas de forma circular conforme formato do planeta. No ponto seguinte e mais profundo estão peixes maiores e raros para nossos olhos; no ponto a seguir, estão humanoides de cores e roupas da mesma cor que pilotam jatos e se alimentam dos oceanos subterrâneos que por sua vez abarcam mundos misteriosos. Nessa expediçao involuntária viram criaturas assustadoras, misto de bichos e humanoides, construções espantosas, aeronaves ou naves espaciais descomunais.

Todos lembravam de seres alados ao lado de homens com cinco metros de altura; noutra luz haviam bovinos nadadores, convivendo com sereias e ciclopes; porco peixe, porco boi, porcos homens, dinossauros com cabeças de bebes humanos. Após uma pandemia que matou sem número de pessoas, após chuvas intermitentes que alagaram desertos, bem se disse que o mundo iria experimentar curiosidades, alteraçoes climáticas para mostrarem quanto somos vulneráveis. Eles se perguntavam sem saber responder ha quantos quilômetros de profundidade estariam viajando. As sensações ruins e a ansiedade fixavam neles o desejo de voltar.

Uma vez no caminho de volta juravam abandonar sentimentos comesinhos de discriminação de qualquer natureza, ruindades gratuitas, sentimentos de indiferença frente ao sacrifício desnecessário de iguais. Enriqueça, realize ou apaixone-se por uma arvore, identifique-se como lâmpada sem gênero, dia desses você apenas morre. Os jovens a esta altura não mais se perguntavam sobre oceanos, deuses astronautas, vampiros sugadores dos fluídos de nossas almas, extraterrestres viajantes, abduções e mistérios, considerando que a humanidade habita a terra por bilhoes de anos, tempo bastante para destruições e recomeços nos buracos que cavamos. Sabidos os jovens queriam saber para onde fora o mar onde surfavam.

Na manhã seguinte o casal de velhos preocupava-se com o não retorno dos jovens que saíram para dar uma simples olhada no mar do litoral norte gaúcho. Perguntavam-se onde teriam passado a noite sem comunicar uma mensagem sequer. Com seu humor reticente o velho levanta-se da cama vagarosamente comentando para si mesmo:

 – Perderam-se nos mares do sul, ou então…

 – Se eles tivessem voltado – disse a velha ao levantar-se e corroborando o azedume do velho – nossa noite não teria sido silenciosa, relaxante e tranquila como foi. Vamos tomar café.

Estavam no café quando apareceu o primeiro dos oito jovens que saíram para ver o mar e supunham não terem voltado. Recepcionados pelos velhos, ele viu que os dois num susto saltaram de suas cadeiras por pensarem estarem sós naquela casa.

 – Cadê os outros? – perguntou a velha.

 – Quero um café, isto sim – respondeu o jovem demonstrando aborrecimento.  –  Estão dormindo de portas abertas e ar condicionado à mil. Eu acho que não dormi essa noite, ou dormi mal, tive um sonho com o mar.

 – Não disse? – Resmungou o velho pra si mesmo.

Por alguma razão os velhos não viram nem ouviram o verdadeiro carnaval barulhento feito pelos jovens, aproveitando o fato de não terem vizinhança como companhia em época fora da temporada. O casal de velhos recolheu-se cedo como de costume e não viram nem ouviram mais nada. Os jovens aproveitaram a costelada que girava na churrasqueira desde o meio dia, mais ou menos esquecida pelo velho que apenas belicava iscas de boi enquanto suava junto ao assado. A ideia era deixar a quase totalidade das carnes para os jovens quando chegassem. Logo depois eles ouvem um vozerio dos outros jovens que se aproximam falando alto e dando risadas.

 – Estava tudo muito bom, acabou a nossa paz… – Disse o velho para si mesmo ao ver entrarem os jovens em ruidosa procissão sucedendo-se no alegre festejar dos que são livres.

 – Bom dia, gente! –  Disse um deles  – Tive um sonho com vocês e sobreviver pra mim foi uma festa tal que não consegui dormir de novo.

 – Eu também!

 – Eu também!

Com todos falando ao mesmo tempo começaram a dar-se conta não sem alguma apreensão, que todos tinham tido o mesmo sonho na mesma noite. Tal preocupação os tornou taciturnos e até preocupados com o acontecimento. Presos nesse estado de espírito que é a dúvida sofreram encasquetados até descobrirem a natureza do acontecido com eles. O velho chato, no entanto chegou às próprias e rápidas conclusões. Dirigiu olhar enigmático para sua velha e ela sem entender o que ele queria dizer perguntou:

 – O que foi que dissesses?

 – Não disse? Maconha!

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