Pequenas Transgressões
Se ao menos as drogas afastassem – um pouquinho que fosse – as restrições à comida, à bebida e ao cigarro, tudo seria suportável. Não poder, sem culpa, vez ou outra – e quando o bolso comporta – sorver uma dose de Dalmore 18 anos, e depois saborear, lentamente, um Terranoble Chardonnay acompanhado de um generoso filé para, ao final, deitado numa rede e ao embalo de um leve balanço dar boas baforadas num legítimo cubano Hoyo de Monterrey, torna a existência mais gris.
Na volta de Tramandaí, já passando das duas horas da tarde, sem almoço, propus degustar um honesto pastel de camarão que vendem à beira da estrada, em Osório. Mas só um, convencionamos em nome e honra da nossa inarredável dieta. Confesso que não resistimos, e cada um devorou sofregamente três pastéis.
Novamente na estrada insinuei que, já que havíamos sido insubmissos à dieta, bem que comportaria uma passagem por Santo Antônio; e saborear um daqueles famosos sonhos; e lembrar o tempo de criança; e da época de veraneio, quando não havia a freeway e a cidade era parada obrigatória – na ida e na volta – para degustar os seus sonhos. E fomos. E não comemos um, mas dois grandes e inflados sonhos polvilhados generosamente de açúcar e canela, acompanhados de excelente capuccino com cobertura de chantili.
Da nossa incursão gastronômica, saímos enfarados e comprazidos. Acompanhava-nos também uma leve e efêmera sensação de felicidade que pode, verdadeiramente, ser provocada mesmo diante das coisas mais singelas.
No íntimo, como se fosse uma vingança, mandamos às favas os remédios, sobretudo os médicos, as taxas de glicose e do colesterol, pois transcende do normal saborear pastéis de camarão e o velho sonho de Santo Antônio da Patrulha.