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Pesquisadores investigam dieta de seres humanos que ocupavam o RS entre 600 e 200 anos atrás
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Pesquisadores investigam dieta de seres humanos que ocupavam o RS entre 600 e 200 anos atrás

Rio Grande do Sul – Um estudo recentemente publicado na Revista de Antropología del Museo de Entre Ríos por pesquisadores de instituições do Sul do Brasil e da Argentina investigou como se dava a dieta de seres humanos entre 600 e 200 anos Antes do Presente, portanto entre os anos 1400 (Século XV) e 1800 (Século XIX).

O período também é conhecido como Holoceno Tardio.

O Laboratório de Arqueologia – Labarq da Universidade do Vale do Taquari – Univates, vinculado ao Museu de Ciências e ao Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD), esteve envolvido no estudo, por meio das pesquisadoras doutora Fernanda Schneider e doutora Neli Teresinha Galarce Machado.

Elas atuaram em parceria com Mirian Carbonera, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), e Daniel Loponte, do Instituto Nacional de Antropologia e Pensamento Latino-Americano, vinculado ao Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, de Buenos Aires.

Entendendo a pesquisa

Para entender o estudo é importante uma explicação breve sobre o que são isótopos estáveis. Isótopos são átomos de um mesmo elemento químico que possuem o mesmo número de prótons no núcleo, mas diferem no número de nêutrons.

Isso significa que eles possuem o mesmo número atômico, mas podem ter massas atômicas diferentes.

Por exemplo, o carbono-12 e o carbono-14 são isótopos do elemento carbono, pois ambos têm 6 prótons no núcleo, mas o carbono-12 tem 6 nêutrons e o carbono-14 tem 8 nêutrons.

O termo “estáveis”, quando associado aos isótopos, por sua vez, serve para indicar que, nessa condição de estável, os isótopos não emitem radiação, seus núcleos permanecem com características únicas e imutáveis ao longo do tempo.

Assim, isótopos estáveis são aqueles que ocorrem de forma comum na natureza, em contraste com os isótopos radioativos, que são instáveis e se transformam ao longo do tempo a partir de um processo conhecido como decaimento radioativo.

“Desde o início dos anos 1980, análises de isótopos estáveis são utilizadas para a compreensão de dietas humanas do passado”, indica Fernanda. Esses estudos foram fundamentais, por exemplo, para o entendimento da transição da caça e coleta para a agricultura em populações pré-colombianas da América Central e do Norte.

Hoje são aplicadas para a análise de padrões alimentares de populações nas mais diversas regiões do mundo.

“O sucesso do método está relacionado, entre outros, ao fato de que os valores isotópicos obtidos em ossos preservados apontam qual foi a média da dieta consumida pelo indivíduo nos últimos 7-10 anos de vida. Assim, tendem a oferecer uma visão mais realista de longo prazo dos hábitos alimentares”, explica a pesquisadora.

No trabalho em questão foram analisados pela primeira vez os valores isotópicos das dietas de indivíduos sepultados em sítios arqueológicos do Vale do Taquari, bem como os valores isotópicos de diferentes espécies de animais que integraram a dieta daqueles grupos, buscando reconstruir a cadeia trófica local, ou seja, a cadeia alimentar.

Os sítios em que foram retiradas as amostras se localizam nos municípios de Marques de Souza, Pouso Novo, Muçum e Cruzeiro do Sul, e, no passado, entre 600 e 200 anos atrás, foram ocupados por povos Guarani.

As análises foram processadas no Departamento de Geociências da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, obtendo-se os valores dos isótopos de nitrogênio-15 (?15N) e do carbono-13 (?13C), do colágeno (?13Cco) e da apatita (?13Cap) e de oxigênio-18 (?18O).

Foram analisadas 23 amostras, entre elas, quatro materiais de Homo sapiens retirados de sepultamentos humanos em urnas funerárias: dois dentes, uma mandíbula inferior e um osso longo, bem como ossos de 11 animais diferentes recuperados durante as escavações dos sítios arqueológicos.

Conclusões da pesquisa 

Os resultados demonstraram que esses povos possuíam uma dieta considerada mista, com prevalência de carbono 3 (C3) e carbono 4 (C4). Os valores humanos, quando comparados com a cadeia trófica local (os animais consumidos pelos humanos), refletem a ingestão de proteínas C3 e C4, com uma significativa ingestão de carboidratos baseados em C4.

“Considerando o contexto cultural, a ingestão de carboidratos C4 deve corresponder ao consumo de milho, um cultivo que apresenta importante valor econômico e simbólico para os povos Guarani antigos e atuais. As proteínas C4 parecem corresponder, em maior medida, ao consumo de peixes e, em menor fração, à ingestão de milho, visto que os grãos possuem entre 8 e 11% de proteínas”, interpreta a pesquisadora Fernanda.

“As proteínas C3, por sua vez, correspondem ao consumo da cadeia trófica local analisada, composta por animais como o veado-campeiro, ratão-do-banhado, tatu-galinha, gambás, lontras, porcos-do-mato, tartarugas, entre outros”. As espécies de animais analisadas são típicas da floresta subtropical, semidecidual e chuvosa da região, e constituem uma fração importante da fauna consumida pelos Guarani. Todas elas apresentam um padrão fotossintético C3, tanto nas proteínas como nos lipídios e carboidratos, com exceção dos peixes siluriformes, que possuem valores mistos.

“Em linhas gerais, este trabalho colocou o Vale do Taquari no ‘mapa’ da ecologia isotópica aplicada aos estudos arqueológicos e deixou evidente a necessidade de ampliar as  amostras analisadas, a fim de avançar na reconstrução tanto das dietas humanas como das cadeias tróficas nas quais as sociedades estavam incluídas”, detalha a pesquisadora, indicando pesquisas futuras que devem ser realizadas.

Futuramente será possível integrar os resultados locais ao panorama geral de resultados do comportamento dietário dos Guarani ao longo de sua distribuição geográfica, bem como será possível obter um melhor entendimento da ecologia isotópica das áreas tropicais do sudeste da América do Sul.

Redação Univates

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