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Porto Alegre – Caleidoscópio/239

No último sábado de março, retornei a Porto Alegre. Não a Porto Alegre em que fui parido, cresci, fiz minha formação, marchei e distribuí panfletos incitando a juventude, a juventude que também era minha, a caminhar, cantar, seguir a canção e a lutar contra um regime verde-oliva autoritário, dominador e sanguinário – éramos todos, nas escolas, nas ruas, nos campos e nas construções, iguais, abraçados ou não.

Conheci, na tarde morrediça, Porto Alegre. Não aquela em que, as dores enfim cicatrizadas e, por amar a todas as mulheres do mundo, ganhei a expatriação.

Era outra Porto Alegre: antiga; ainda que louca, ao mesmo tempo enlouquecedora – toda a sua história rolando, fluindo num só e insólito quadrante, multifacetado –, o rio, os becos, as praças e avenidas, os prédios e o próprio céu sem cor.

Não me perguntem os nomes – se Rua Clara, Rua Formosa, Rua do Arvoredo, Rua da Margem, Rua Direita da Igreja, Rua da Praia do Arsenal –, isso já não mais importa.

No imponente prédio – Centro Cultural – com estilo arquitetônico eclético, com predominância de elementos neoclássicos, um irado Jorge Furtado, após dispersar os curiosos coadjuvantes, transformara em lúgubre set de filmagem o imenso saguão de mármore róseo. Narrava a história de um contador que fora mordido por um grampeador. Nas noites de plenilúnio, o bancário, munido de um gigantesco grampeador, percorria a Rua Pantaleão Teles e o espetava no pescoço das prostitutas.

Corrido que fora pelo tresloucado cineasta, subi a Rua Clara. Na platibanda da escadaria, sob a intensa luz de uma Lua Cheia, vislumbrei dezenas de mulheres vestindo longas túnicas que lembravam falsas vestais dos templos dionísicos. Lá embaixo, na clareira de intenso arvoredo, sete magas entoavam cânticos cabalísticos, em torno de imenso caldeirão cingido por magníficas azáleas.

…”Quatro vezes por ano somos vistas, no retorno dos grandes Sabbats, no antigo Hallowen e em Beltane, ou dançando em Imbolc e Lammas. Dia e noite em tempos iguais vão estar, ou o Sol bem mais perto ou longe de nós. Quando, mais uma vez, Bruxas a festejar, Ostara, Mabon, Litha ou Yule saudar. Treze Luas de prata cada ano tem, e treze são os Covens também. Treze vezes dançar nos Esbaths com alegria, para saudar a cada precioso ano e dia”…

À beira do promontório, já madrugada, avistei, em pequenos barcos, os cem rebeldes que atravessaram o Guaíba, na altura do Porto das Pedras Brancas, sem que a canhoneira imperial percebesse a manobra.

Jorge Furtado a tudo documentava.

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