Portugueses dizem que acordo os obriga a falar como brasileiros
A reforma foi ratificada pelo Parlamento de Portugal em maio de 2008 e promulgada pelo presidente Cavaco Silva em julho seguinte, dois meses antes de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar a lei do acordo ortográfico em solenidade na Academia Brasileira de Letras.
Em Portugal, o acordo está em vigor desde 13 de maio de 2009. A resolução de adotá-lo prevê um prazo transitório de até seis anos para implementação definitiva da nova grafia.
Além de Portugal e do Brasil, o acordo já foi ratificado em Cabo Verde (2006), em São Tomé e Príncipe (2006), na Guiné-Bissau (2009) e no Timor Leste (2009). Falta a ratificação dos parlamentos de Moçambique (o Conselho de Ministros em junho deste ano aprovou a reforma ortográfica) e de Angola.
Em Portugal, um dos principais críticos do acordo é o escritor Vasco Graça Moura, presidente do Centro Cultural de Belém. Para ele, a adoção do acordo no Brasil “não significa nenhum sacrifício, especial e nomeadamente na fonética das palavras, mas em Portugal, significa. Tirar o acento e o trema de algumas palavras não é assim tão complicado como alterar a grafia de uma porção de palavras, como acontece em Portugal”, compara.
Para ele, a reforma é “um desastre” e está “completamente desajustada da maneira de os portugueses pronunciarem”, além de haver “defeitos técnicos”. Graça Moura lembra que, desde o começo da discussão (em meados dos anos 80 do século passado), “já se reconhecia que era impossível unificar completamente” e ressalta que “os critérios [do acordo ortográfico] são imperfeitos e não são lógicos”.
Ele reclama, por exemplo, que o acordo admite, em mais de um caso, formas facultativas de escrita. “Isso é a própria sabotagem da noção de ortografia. Ortografia significa a maneira de escrever corretamente. Se há possibilidades facultativas, com 'p' ou sem 'p', com 'c' ou sem 'c'; é um curto-circuito nas próprias regras do acordo”. O escritor faz referência ao uso do “p” e do “c”, antes de outra consoante como o “ç” (em casos como “recepção” e “receção”, e “intersecção” e “interseção”, grafados de forma diferente entre o Brasil e Portugal).
Conforme Graça Moura, a duplicidade de ortografia é um dos problemas apontados por acadêmicos portugueses como António Emiliano [o primeiro “o” tem acento agudo porque a vogal é falada aberta em português de Portugal], autor dos livros Apologia do Desacordo Ortográfico e O Fim da Ortografia e professor de Linguística da Universidade Nova de Lisboa.
Dois meses depois da promulgação da reforma em Portugal, Emiliano disse à Assembleia da República que o acordo “nunca foi discutido pela comunidade científica portuguesa, nem pelos setores da sociedade mais afetados”. Para ele, a nova regra “revela insensibilidade à preservação da estabilidade ortográfica e ao valor patrimonial da ortografia” e “afetará negativamente o prestígio de Portugal”, pois “é um atentado ao desenvolvimento, à educação, ao progresso e à competitividade dos portugueses”.
Declarações como as de Graça Moura e António Emiliano ainda têm grande repercussão na opinião pública e nos jornais de Lisboa, como o Diário de Notícias e Público, que frequentemente trazem artigos de fundo (sobre o assunto ou sobre outros temas) nos quais no rodapé é possível ler: “Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico”.
Os diplomatas brasileiros ouvidos pela Agência Brasil relativizam a intolerância de alguns portugueses com a mudança da norma. Para o embaixador do Brasil em Portugal, Mário Vilalva, há “redutos de resistência”, mas “o futuro está ao lado da comunidade de expressão portuguesa, não do isolamento”.
“A gente está dentro de um processo normal de acomodação”, complementa o embaixador Pedro Motta Pinto Coelho, que chefia a missão brasileira na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Para ele, “Portugal está perfeitamente dentro do acordo”, mas há relutância “por desconhecimento” ou “prevenção” – que não se justifica a seu ver. “O acordo foi um entendimento. Ele não mexe na língua. Ele mexe na grafia, mas não entra na sintaxe da língua portuguesa. Procura trazer para um veio comum as ortografias que existem nos diferentes países”, explica o diplomata.