Psicopatologia e catástrofe climática gaúcha - Dr. Sander Fridman - Litoralmania ®
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Psicopatologia e catástrofe climática gaúcha – Dr. Sander Fridman

Resistir ao desânimo, desespero, desesperança, sentimentos de culpa, apatia, falta de energia, e a tendência a desistir pode acompanhar a experiência psicológica de viver uma grande catástrofe – pessoal ou coletiva.

Psicopatologia e catástrofe climática gaúcha - Dr. Sander FridmanAssim como sentir pulsar o instinto de luta para sobreviver, reconstruir o que se perdeu, abrir-se às oportunidades de uma nova vida que se impõem.

Caráter, valores pessoais, a educação que se aprendeu em casa, a história pessoal, a personalidade, modificam a disposição para buscar ajuda ou se isolar, falar ou calar, culpar a todos ou se sentir fracassado, consolar-se ou se almadiçoar.

Quando nossa reação se torna um problema a mais, agravando nossa situação, impedindo o efetivo enfrentamento do problema, estamos diante do adoecimento.

Irritação, hostilidade, choro incontrolável, insônia, paranóia, desespero, automutilação, tentativas de autoextinção, comportamentos anti-sociais: todo o catálogo de sintomas e transtornos mentais pode ser
identificado entre pessoas neste estado de coisas, inclusive conversivos e dissociativos (dores de cabeça e outras, desmaios, paralisias, amnésias – não lembrar quem é, de onde vem), sintomas físicos de
causas emocionais (convulsões, infarto, crises de pressão alta, crises de asma, recaídas de fibromialgia, etc).

No entanto, talvez a mais grave das reações patológicas a uma tragédia seja a negação absoluta do seu perigo, natureza, causa, origem, e meios para sua prevenção futura, expondo-se agudamente à sua repetição.

No Rio Grande do Sul, tivemos uma tragédia climática de proporções mundiais. Enquanto 2 bombas atômicas destruiram 2 cidades e entraram para a história da humanidade, a tragédia cujas consequencias
os gaúchos hoje enfrentam, atingiu de uma vez só 148 municípios e afetaram ao todo cerca de 850 mil pessoas.

E nada impede que se repita a qualquer momento.

Apesar disso, o debate sobre o assunto, cuja responsabilidade é da 1 sociedade civil, da mídia televisiva, radiofônica e jornalística, está rasteiro.

As mídias sociais debatem-se heroica mas impotentemente para transmitir os pontos de vista, mas não conseguiem transpor as fronteiras entre as bolhas discordantes.

Os debatedores com opinião e capacidade de defender pontos de vista distintos não são ouvidos por todos, nem são colocados frente-a-frente.

Enquanto isso a tragédia se aproxima, e as lideranças gaúchas seguem perdidas, sem convicção, e sem apoio popular amplo, para qualquer decisão mais importante.

O responsável pelo Núcleo de Gestão de Recursos Hídricos do IPH- UFRGS, Doutor em Recursos Hídricos pela Universidade da Califórnia Davis e Professor no IPH-UFRGS, Guilherme Fernandes Marques,
apresentou suas propostas de solução e prevenção de catástrofes climáticas para o RS (Correio do Povo, 29/5/2024, in “IPH aponta o que o RS deve fazer…”), indicou:

(1) construir o conhecimento sobre o comportamento do sistema (bacia hidrográfica e cidades) e objetivos da sociedade;

(2) usar esse conhecimento para avaliar melhor o risco climático e tomar melhores decisões;

(3) montar um portfólio de medidas e instrumentos para gerir o risco; e

(4) estabelecer um processo contínuo de monitoramento, revisão e adaptação”

Ou seja, ele nos informa que precisam estudar para saber o que fazer, e que, como não estudaram ainda o caso, não sabem o que dizer.

O pescador certificado pela Marinha do Brasil, catarinense, Thiago Drumm, morador de Santa Catarina, emprestou aos gaúchos sua inteligência e conhecimentos em uma sucessão de 66 vídeos produzidos
apenas nos últimos 1-2 meses (!!!), contendo análise técnica detalhada e precisa sobre as causas e soluções para a tragédia climática que massacrou, e ainda massacra, os gaúchos, através da miséria e do medo
que restaram.

Em relação às enchentes do ano passado, até há cerca de 2 6 meses, Thiago Drumm já havia postado 35 videos de análise técnica sobre o problema das enxentes no RS, que corresponderam a situações dramáticas também observadas em Santa Catarina – inclusive, registrando em videos, experimentos e observações empíricas sobre o comportamento das águas em relação ao vento, conduzidos laboratorialmente, e que dao sustentação aos seus argumentos.

Busquem no seu canal do youtube! É uma linda homenagem ao processo científico e ao gênio humano!

O pescador, em sendo autor de diferentes hipóteses, fundadas em observação e análise, bem como em conhecimento bem estabelecido, além de conhecimento empírico produzido pelo próprio, deve ser reconhecido como autoridade – posto que autor.

Não se poderá, portanto, alegar, justificadamente, que, enquanto leigo, suas opiniões não mereçam ser levadas em consideração.

Thiago Drumm apresenta ali sua receita para resolver de vez, tanto a a fase agudíssima da inundação como a prevenção de novas crises de chuvas:

(1) abrir canais de extravasão da lagoa dos patos para o oceano atlântico, que se justificam no fato de:

(a) a lagoa dos patos, antes da construção e aumento progressivo dos molhes do cassino, alternava entre a
vazante da água doce dos rios e a maré de água salina do mar, e por isso tinha antes pesca marinha, que desapareceu com a dessalinização da lagoa, por causa do fechamento de sua foz.

A abertura dos canais de extravasão ao sul da Lagoa, próximo à foz, devolveria sua salinidade natural,
original, anterior às sucessivas intervenções humanas, a primeira em 1911;

(b) os desastres climáticos, e o nível médio da lagoa dos patos, elevaram-se depois da última extensão dos molhes e seu fechamento suplementar em 2011;

(2) Gerenciar melhor as barragens, de modo a esvaziar seus reservatórios quando chuvas volumosas são antecipadas, de modo a permitir (a) secar o solo baixo e ao redor dos reservatórios, e assim aumentar a capacidade do solo e dos lençóis freáticos de

3 acolherem as fortes chuvas; e (b) preparar as barragens para atuarem como represemento da água das chuvas, que só é possível se estiverem vazias, diminuindo o risco de rompimento das represas e de inundarem cidades logo abaixo delas (a jusantes).

De fato, o Correio Brasiliense, em 03/05/2024, alertava para o risco de rompimento de 18 barragens no RS – um enorme perigo!

O sistema conjunto de solo mais seco, lençóis freáticos menos inundados, e barragens vazías poderiam representar um conjunto de elementos capazes de proteger os rios e as cidades das inundações terríveis que temos visto, justamente por causa das barragens.

(3) Desassorear rios, deltas, guaíba e lagoa dos patos: as barragens e os molhes, por lentificarem o fluxo dos rios, levam a um grande aumento da decantação do material que navega nos rios, deltas, guaíba e lagoa dos patos, aumentando muito o assoreamento e reduzindo a capacidade de receber a água de
chuvas mais intensas, e levando às tragédias que temos observado.

Desassorear intensivamente deverá ser necessário, onda a causa não puder ser removida (barragens) – por exemplo, pela iniciativa privada que se interessar em vender terra e material que se acumula no fundo de rios e lagos, trazida pelo fluxo muito lento dos rios.

(4) A lagoa dos patos, na medida em que se removam os obstáculos à vazão da água da lagoa dos patos, e com ela à vazão do guaíba, deltas e rios, verá por si, apenas pelo aumento do fluxo das águas, seu desassoreamento, ao longo do tempo.

(5) Não se deve duvidar do brutal aumento da pressão exigida do Guaíba, e dos rios que nele desembocam, para conseguirem desaguar suas águas numa lagoa dos patos que está, por causa dos moles, permanentemente bem mais elevada, gerando por conseguinte uma grande elevação nos níveis do guaíba, deltas e rios que nele desaguam.

Cabe então nos perguntarmos: se temos de um lado nosso dedicado pescador e autoridade catarinense, o Thiago Drumm, detalhando por todos os modos seus diagnósticos e seu tratamento para o problema das
cheias gaúchas, faltará gênio aos pesquisadores do Rio Grande do Sul para encontrar tudo aquilo que o anterior encontrou, e muito mais?

Não 4 terão sido capazes de encontrar as teses de Drumm, os alunos do Professor Guilherme Fernandes Marques?

De fato, as publicações de Thiago Drumm foram restritas ao seu canal de youtube, e podem não ter
chegado ao conhecimento do Professor do IPH-UFRGS.

O Youtube não é, de modo algum, uma base de dados e estudos científicos, e não é buscado nos estudos sistemáticos de caráter científico.

Entretanto, como na época da pandemia de covid, as hipóteses, os relatos empíricos e as teses de enfrentamento clínico e epidêmico para o problema surgiam e ganhavam prontamente relevância, pois não havia tempo para o processo científico trazer suas respostas, que levam, via de regra, anos de pesquisas e publicações.

Mesmo assim, quando os conhecimentos apresentados, ou sua ausência, nos surpreendem imensamente, como não deixa de ser o caso, somos obrigados a nos inquirir, também, sobre a eventual presença de causas para “patologias do conhecimento”, como são os interesses secretos e impedimentos de natureza política ou ideológica.

Do ponto de vista dos interesses econômicos que poderiam atuar como freios à produção e à divulgação de conhecimentos, quando podem ameaçar seus negócios ou lucros, e que poderiam, no caso, se opor aos diagnósticos e estratégias propostos por Thiago Drumm, acima, temos:

(1) os interesses do Porto de Rio Grande, que se beneficia com o aumento do nível médio da foz da Lagoa dos Patos (e, por consequência, de toda a lagoa dos patos), pois permite-lhe receber navíos de calado maior. Entretanto, a vazão lentificada leva a um assoreamento acentuado, causando a necessidade de periódico – e caro – desassoreamento da área do porto.

Ora, para o desassoreamento periódico, não é necessário elevar-se o nível de toda lagoa dos patos, basta desassorear, e rebaixar a profundidade do fundo da lagoa naquele região! De outro modo, é justo que os interesses do porto de Rio Grande prevaleçam sobre os direitos de segurança ambiental de 80% da população do Estado do Rio Grande do Sul?

5 (2) os interesses ligados às inúmeras hidroelétricas e barragens que interferem continuamente no sistema hídráulico gaúcho, gerando riqueza, interesses – e não só desastres. (3) o funcionamento econômico dos centros de pesquisa das universidades federais busca comumente garantir aos seus
pesquisadores poupudas verbas de consultorias quando são contratados para resolver problemas específicos.

Neste sentido, o pior que pode acontecer é resolver-se prontamente um problema muito grave, sem remunerar-se nem aos seus pesquisadores nem ao centro de pesquisa, quando ocorre uma oportunidade tão única.

Não: não conheço, não ouvi, não fiquei sabendo e não tenho suspeitas específicas sobre isso em relação a ninguém. Mas,”…que las hay, las hay!”

Do ponto de vista das disposições ideológicas, que poderiam se opor aos diagnósticos acima, temos:

(1) a “religião” do aquecimento global provocado pelo homem, e das inundações e tragédias que devem se suceder em decorrencia do derretimento das calotas polares, encontra no Rio Grande do Sul um exemplo notório, que deve ser protegido de quaisquer outras hipóteses para o problema. Pior ainda, de alguma solução efetiva que não leve em conta especificamente os princípios teórico-científicos desta “fé científica e política”.

(2) Considerando-se que a comunicação do pesquisador do núcleo especializado do IPH ao Correio do Povo foi muito posterior à postagem e ao registro das teorias e estudos no youtube, pelo pescador catarinense, não se deve esperar que aquele tenha de fato desconhecido as informações, conclusões e justificativas do último.

Não as menciona nem as considera, entretanto, sugerindo a hipótese, talvez, de que esteja impedido de fazê-lo, na defesa de sua posição de suposto saber, de suposto conhecedor, que não deve se rebaixar a dialogar com um simples pescador. O narcisismo dos lideres tem mudado a história do mundo, e das
6 pessoas.

Mas, se pudermos evitar, devemos ao menos tentar não sermos vítimas da paralisia por motivos quaisquer de nossos líderes, técnicos ou políticos.

Por fim, mas não menos importante, é necessário reconhecermos – e desta opinião não culpo outro autor – que os rios de umidade aérea que transitam em nossa atmosfera foram encharcadas de águas amazônicas,
cujas chuvas deixaram de cair lá, possivelmente, por causa do recorde absoluto de desmatamento ocorrido nos últimos 2 anos.

As árvores da floresta amazônica têm o papel de reter grande parte da umidade das chuvas, não deixando que migrem para o sul, onde encontram frio e precipitam. Sem árvores, as chuvas amazônicas são conduzidas rumo ao Sul, ao nosso estado, limitadas pelas cordilheiras dos andes.

Necessitamos resistir à inclinação psicopatológica de negar a realidade, os riscos de que tudo que vivemos até aqui possa se repetir ainda mais gravemente nas semanas e meses que se seguiram ainda em 2024. Não
podemos nos bastar com expectativas místicas, e sim assumirmos nossas responsabilidades por nossos problemas.

Se não removermos ou controlarmos suas causas, os efeitos estão fadados a se repetirem.

Não basta sermos impactados pela tragédia. Não basta ajudarmos bravamente as novas vítimas brasileiras da miséria econômica e ambiental. Precisamos identificar suas causas, seus fatoresb determinantes, e usarmos de toda nossa inteligência para enfrentá-los, removê-las ou controlá-las.

Necessitamos profundamente de nossa grande mídia investigativa, inquieta, crítica, dura, como era antigamente: neutra, pragmática, menos ideológica, menos politicamente alinhada, ajudando a população
a chegar nas verdades verdadeiras, e não somente nas versões convenientes a este ou àquele grupo. Ajudando a atravessar todas as bolhas com conhecimentos e idéias pertinentes, resgatando direção e coesão às iniciativas sociais, econômicas, políticas e administrativas.

7 Referências:

1) https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/cidades/iph-aponta-o-que-rs-deve-fazer-para-evitar-novas-cat%C3%A1strofes-clim% C3%A1ticas-1.1498816

2) https://www.youtube.com/@Drumm1/videos

3) https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2024/05/6850028-ao-menos-18-barragens-estao-sob-risco-de-colapso-no-rio-grande-do-sul.html

**O Dr. Sander Fridman é Médico, Psiquiatra, Doutor em Psiquiatria pela UFRJ; estudos em História das Ciências, das Ciências da Saúde e da Saúde Mental pela Casa Oswaldo Cruz – Fiocruz; Sociologia do Conhecimento pela PUCRS; estágio pós-doutoral pelo PPG-Direito da UERJ (Teoria da Prova Aplicada à Prova Técnica).

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