Quatro anos sem Tiago Farias
Nesta terça-feira (08), completa quatro anos da trágica morte de Tiago Farias. Estudante de administração de empresas, colunista do Portal Litoralmania e radialista.
Tiago mantinha aos sábados na Rádio Osório AM um programa “Rota 750” sobre esportes radicais ligados à natureza. Além de praticar vôo livre e windsurfe, cobria outros esportes praticados na região, como mountain bike e bicicross, e incentivava os cuidados com o meio ambiente. Com o mesmo nome mantinha uma coluna semanal no Portal.
Dificilmente em nossa região teremos outro incentivador do esporte como Tiago. Sem praticamente apoio algum lutava arduamente pelos seus ideais na divulgação dos esportes radicais.
Abaixo confira matéria do Jornal JÁ – Setembro 2005
No início da tarde da última quinta-feira (8/9) quem cruzava a Free Way no sentido Porto Alegre-Osório podia avistar duas velas de windsurfe e duas pipas de kite-surfe, em pontos diferentes da Lagoa dos Barros. Aproveitando o vento nordeste, as duas pipas estavam em frente à Rajada, escola de Rafael Freitas, na margem leste da lagoa; as duas velas na margem norte, em frente à Windfly, escola de Marco Antonio Rodrigues da Silva, mais conhecido como Bola, que fazia ali o que denominou ” o meu melhor velejo”. Na outra prancha estava Tiago treinando para sua estréia no campeonato gaúcho de windsurfe – seria no próximo fim de semana, na Lagoa dos Patos, em Pelotas.
Quando Tiago se afastou da Windfly, sendo levado pelo vento em direção à Rajada, na outra margem, Bola foi atrás dele, mas o perdeu de vista, pois as ondas começavam a elevar-se. Bola então voltou para a base, pegou o carro e foi fazer o resgate do amigo por terra na outra margem, seguro de que já o encontraria confraternizando com o pessoal do kite-surfe.
Mas na Rajada ninguém o havia visto e da margem não se podia avistar a vela. Dois velejadores entraram no bote salva-vidas e foram para o meio da lagoa, Bola ligou para os bombeiros e, acreditando que Tiago tivesse buscado abrigo numa beirada da lagoa, continuou as buscas por terra, com a ajuda de amigos que apareceram para ajudar. O vento se tornava mais intenso à medida que a noite se aproximava e todos se lembravam do dia anterior, de calmaria quase absoluta.
No meio da tarde do 7 de setembro, Tiago Farias aportou na Lagoa dos Barros em sua asa, fazendo um pouso que ele declarou como sendo de boeing, em cima dos juncos. O vento estava fraco para vela no feriado; os velejadores que esperavam o momento propício para cair n’água circundaram o amigo voador e o ajudaram a guardar a asa. Ele também estava disposto a velejar, mas faltou o principal: o feriado terminou com um pôr-do-sol sobre águas tranqüilas e temperatura amena.
O programa, depois da chegada inusitada de Tiago com sua asa, se resumiu a tomar chimarrão em frente à lagoa, sentindo a quentura do sol, olhando as crianças que jogavam bola e andavam de bicicleta em frente à praia.
Anoitecia quando, sem a vela e sem a bolina (quilha móvel), a prancha de 330 centímetros em que Tiago deu seu último velejo foi recolhida na margem leste da lagoa, a cerca de oito quilômetros do ponto onde ele costumava treinar. Até domingo a vela não havia sido encontrada. A bolina apareceu por volta das dez da noite, duas horas antes da descoberta do corpo, recebido por colegas de vela, de vôo, familiares e amigos.
Para os companheiros de velejo que tentaram o resgate, a separação das três partes do equipamento indica que o windsurfista realizou a operação mais difícil sob as rajadas fortes (53 km/h) e o frio intenso (10 graus): desatarrachou a vela da prancha, mas perdeu-se do que seria sua tábua de salvação – no windsurfe, a prancha é o principal item de segurança.
Não se sabe por que ele desconectou a prancha da vela, pois a recomendação básica é que o windsurfista, por acidente, cansaço ou pane no equipamento, permaneça em cima da prancha até para facilitar a localização pela equipe de resgate. É possível que, na impossibilidade de levantar a vela devido a força do vento, ele a tenha descartado para remar sobre a prancha e chegar mais rapidamente à margem. Na ânsia de voltar ao trabalho, mesmo com roupa de neoprene e colete de flutuação, deve ter-se esgotado nadando.
Os bombeiros de Santo Antônio da Patrulha e de Osório, sem barco, pouco podiam fazer e alertaram que o barco salva-vidas precisava sair da água de acordo com as previsões de tempo da Defesa Civil para aquela noite. Àquela altura os companheiros de Tiago já estavam voltando do meio da lagoa com o bote salva-vidas das escolas em meio a ondas desestabilizadoras, que dificultavam a visualização.
Enquanto a noite caía, outros davam voltas de carro e de moto por toda a margem, confiantes de que a qualquer momento Tiago chegaria em terra firme. A busca só terminou no início da madrugada, quando o corpo apareceu perto do local onde a prancha havia sido encontrada.
A Polícia Civil e a Marinha abriram inquéritos para investigar as causas do acidente, que poderá ajudar a melhorar as condições para a prática desses esportes. Embora a vela seja tão antiga quanto a civilização humana, o windsurfe é praticado só há trinta anos e o kite-surfe tem apenas cinco anos.
São raros os acidentes na prática do windsurfe, um dos poucos esportes radicais que admitem crianças e adolescentes. A prancha é o principal equipamento salva-vidas, mas para aumentar a segurança recomenda-se surfar com o colete de flutuação, como o que Tiago Farias usava.
Os coletes do tipo salva-vidas não são usados porque impedem o velejador de mergulhar quando a vela cai, já que a saída precisa ser feita por baixo dela. No verão, em praias e lagoas, é difícil avistar windsurfistas com coletes ou roupas de neoprene. Os capacetes para a prática do kite-surfe só há pouco começaram a ser utilizados, depois de alguns acidentes.
O uso de bóias na água para delimitar espaços e rádio para monitoramento, por exemplo, podem ser regulamentações úteis e necessárias, mas até agora não previstas.