Saber ou não saber, eis a questão! – Sergio Agra
SABER OU NÃO SABER, EIS A QUESTÃO!
Capítulo XX Da Série As Crônicas de Aleph
— “Filho, somente sonhos não sustentam uma vida!— este fora o conselho do pai. — Escolhe uma profissão. Faz uma faculdade!”.
Quinze dias após Aleph ingressava por vez primeira na sala de aula do curso intensivo pré-vestibular.
As provas já se mostravam próximas. As madrugadas varadas nos estudos se acumulavam. As apostilas iam pouco a pouco sendo devoradas. A tensão vivida por Aleph estampara-se no seu semblante. Presenciar cada amanhecer após as noites indormidas se tornara rotina. O físico já não mais revelava vigor. Aleph há muito renunciara aos prazeres do chope dourado e espumoso, o sanduíche aberto, a conversa alegre e descontraída na mesa dos bares na companhia dos amigos. Abandonara as viagens pelo realismo mágico de García Márquez, pelo universo alegórico de Hesse e os gibis do eterno desastrado Pato Donald. Ele somente dispunha tempo e pensamento para os estudos.
Cleópatra envolvia Marco Antônio nos seus diáfanos véus de lascívia. Nero incendiava Roma e ensandecido tocava lira. Einstein publicava sua Teoria da Relatividade e Freud a Interpretação dos Sonhos. Platão delirava com a República. A Revolução Russa, a Guerra dos Cem Anos. A Ontologia, a Axiologia, a Próclise, a Mesóclise, a Parábola, o Pasticho, …Andmy soul from out thatshadowthat lies floating onthefloor / Shallbelifted – nevermore, nevermore, nevermore…*. De cetteénormechevelure, Soupleetfrisée, et qui t’égaleenépaisseur, Nuitsansétoiles, Nuitobscure !**. Rom?ninecau?runtinim?cospugn?***…
Num rompante, Aleph lançou pela janela livros e apostilas. Adeus, Rainha do Nilo! Que você e seus amantes sejam do Egito e de seus púrpuros e puídos pálios proscritos. Adeus, Nero. Durante muito tempo as Termas de Caracala guardarão os acordes de tua insanidade. Adeus, Einstein. Que a Rosa de Hiroshima floresça na salsicha do teu cachorro quente. Platão, tu, que foste tão incompreendido, cai no vazio deste incompreensível. Adeus, Freud! Édipo e Jocasta jazem exauridos sobre o teu libidinoso divã.
Aleph abriu a porta do apartamento e seguiu para o bar aonde já se encontravam os amigos de copo e de sempre. Dispusera-se desta vez amanhecer nas calçadas, ébrio das histórias que eles haveriam de contar e viver as alegrias e os sofreres dos “patos donaldos” que em algum momento de suas vidas eles efetivamente foram.
* “No chão espraia a triste sombra; e fora / D’aquelas linhas funéereas / Que flutuam no chão, a minha alma que chora / Não sai mais, nunca, nunca mais!…” de Edgar Alan Poe, in O Corvo.
** “Amo, ó pálida beleza, os teus cenhos curvados / Que dão às trevas todo o império; / Teus olhos, embora negros, me inspiram cuidados / Que não têm nada de funéreos…” de Charles Baudelaire, in As Promessas de um Rosto.
*** Os romanos mataram seus inimigos na luta. Padre Milton Valente in Ludus Tertius