Samba do crioulo doido – Jayme José de Oliveira
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“Por mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.
Na coluna anterior usei como metáfora “É mais fácil encontrar uma girafa branca que um político ilibado”. E eles não se cansam de comprovar, tanto que o juiz Sérgio Moro desabafou: “O que traz instabilidade não é a corrupção é o não enfrentamento à corrupção. O problema não está na cura, mas sim na doença”.
Em 26/09/2017 o STF, por 3 votos a 2, decidiu afastar o senador Aécio Neve do mandato. Mesmo alegando independência entre os poderes da República, o Senado, em 03/10/2017, resolve adiar uma decisão para o dia 17. Aguarda o resultado da reunião do pleno do STF, no dia 11.
Nossa Constituição, com seus inúmeros artigos e correlatos permite interpretações por vezes antagônicas. O próprio resultado de 3×2 na Suprema Corte comprova o debate acalorado. Senadores e juízes se manifestam em aberto conflito.
“Esta Casa não é menor que o Supremo. Mas o Supremo não é menor que esta Casa. Nós fazemos a lei. Mas o Supremo interpreta a lei”. (Cristovam Buarque, PPS-CE – senador) “É importante que nós saibamos que estamos vivendo um momentobastante delicado, e a gente não deve acender fósforo para saber ou querer saber se há gasolina no tanque”. (Gilmar Mendes, ministro do Supremo) Os votos dos senadores em 03/10 foram tão surpreendentes quanto impensáveis à luz do senso comum. E não apenas neste episódio, no cotidiano de Suas Excelências. Como biruta de aeroporto, seguem a direção do vento que sopra na ocasião.
Se a sua vida está difícil, imagina a vida de um petista que se vê obrigado a xingar o companheiro Palocci e defender Aécio Neves.
Os preliminares, o andamento e a perspectiva futura assemelham-se a um “Samba do Crioulo Doido”. Por ocasião da cassação do senador Delcídio do Amaral houve 74 votos a favor do afastamento e NENHUM CONTRA. Com apoio do PMDB e do PT o Senado adiou a votação para esperar a decisão de STF, preservando temporariamente o mandato de Aécio.
No dia 11/10 o STF decide entre duas hipóteses: a) Revoga a decisão da Primeira Turma do Supremo e fica demonstrada com mais explicitude o dissenso que orbita entre os juízes. b) A decisão é referendada e enviada ao Senado, o qual também se defrontará com duas opções, uma terá de ser tomada no dia 17: a) Como no caso do senado Delcídio do Amaral, coonesta e legitima a decisão do STF. Essa decisão põe na alça de mira mais de metade dos senadores, pelo menos 42 respondem a inquéritos, processos que podem terminar em condenação. b) O Senado, como no caso da destituição do cargo de presidente do Senado do senador Renan Calheiros, não acata a decisão do STF, seguramente temendo o “efeito Orloff” (eu serei você amanhã). Esta hipótese abre caminho para um acirramento da animosidade entre os dois poderes. Com consequências imprevisíveis.
Não é apenas na política que o quadro se apresenta conturbado. Outros setores também estão em polvorosa e franca rebeldia contra medidas do aparato legal na investigação, julgamento e condenação de imoralidades perpetradas.
A ANDIFES (Associação Nacional de Dirigentes das Instituições de Ensino Superior) insurge-se contra o estado democrático de direito que funciona para apurar, denunciar,julgar e punir os bandidos de colarinho branco, sejam autoridades ou simples burocratas. Critica como fatores que teriam levado ao suicídio o reitor Luís Carlos Cancellier, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), de 60 anos.
“A atuação desmedida do aparato estatal, as práticas dum estado policial e a destruição da honra de pessoas em nome dum moralismo espetacular”. Nem uma linha para explicar o que foi investigado pela PF (Polícia Federal), origem das denúncias do MPF (Ministério Público Federal), que no dia 14 de setembro desencadeou a operação “Ouvidos Moucos” para apurar um esquema de corrupção que teria desviado R$ 80 milhões do Programa Universidade Aberta. A deputada Maria do Rosário diz que o caso levanta o debate sobre a violação de direitos. A petista quer ouvir o ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, e a Subprocuradora-Geral da República, Deborah Duprat.
Comentário do colunista: Se cada setor investigadose considerar no direito de reagir à possibilidade concreta de punição (jus sperniandi), tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes.
Notícia veiculada em 04/10/2017: “A Superintendência Nacional da Previdência (PREVIC) decretou intervenção por 180 dias no Instituto de Seguridade Social dos Correios e Telégrafos (POSTALIS)”. PETROS (Petrobras), PREVI (Banco do Brasil) e FUNCEF (Caixa Econômica Federal) também estão na mira do PREVIC. Parte do rombo pode ser atribuída a aplicações mal sucedidas, como compra de papéis da dívida da Argentina e da Venezuela, que viraram pó, e de fundos de investimentos que geraram prejuízos milionários.
Thomas Piketty, economista guru das esquerdas, entrevistado por Juremir Machado da Silva: “A Europa foi reconstruída depois Da IIª Guerra Mundial em cima da anulação das dívidas passadas. Hoje, estamos numa situação que exige saber perdoar dívidas para recomeçar e apostar no futuro. As dívidas públicas normalmente têm a ver com grupos privilegiados e podem ser anuladas”. Acontece que fundos que lastreiam a Seguridade Social, caso das supracitadas, são o sustentáculo das aposentadorias e o não pagamento ou perdão das dívidas envia pessoas de baixa renda, que contribuíram durante toda a vida laboral e tiveram suas economias aplicadas em Títulos de Dívida Pública de países falidos, que tomaram empréstimos e não os honraram a uma velhice privadas condições básicas de sobrevivência digna. E os dirigentes que empenharam o dinheiro dos associados nesses papéis sabidamente inconfiáveis merecem um julgamento rigoroso. Não há justiça nisso.
Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado