Sangue não é água – Erner Machado
Lá pelo idos 1957 na fronteira oeste do RS, haviam duas diversões predominantes.
Uma era Jogo de Osso e a outra eram as Carreiras de Cancha Reta.
O meu pai, gostava das duas…
Quando tinha uma oportunidade não a desperdiçava e, em uma cabeceira de Cancha, atirava uma “TAVA” que às vezes botava “suerte” ou as vezes botava “ culo’… com certeza mais “ culos” do que “ suertes”.
Mas, o que o meu pai gostava mesmo, era das carreiras de Cancha Reta, nas quais dois parelheiros saem do Partidor juntos e ganha, aquele que passar, primeiro, pelo julgador.
Geralmente a distância da carreira era em 240 metros, raras em 500 metros, dado a falta de condicionamentos dos cavalos daquele tempo.
O Melhor cavalo que meu pai teve um colorado Malacara que ele comprou do Compadre Rosalino…
Esse cavalo quando exposto ao “Graduador”, hoje crocnometro, baixava de 17 segundos…em 240 metros.
Quem montava os cavalos do meu pai era o Tio Aparício que, quando jovem, era muito magro e possuía habilidades especiais na condução dos parelheiros em cancha reta.
As carreiras que meu pai e o tio Aparício ganharam viraram história no Itapevi, na Capela, no Touro passo.
Todo o mundo comentava e quando se reuniam os, Gaúchos, no bolicho do Sadi Mendonça, único lugar que, pelos tragos de canha tomados, tornava iguais, patrões e peões de estância.
Um dos meus sete tios, o mais velho, o Tio Tobias Menine Machado, que, por bobagens de família, tinha brigado com meu pai e ambos se consideravam inimigos, encontrava-se, em um sábado, tomando umas cachaças no Bolicho do Sadi.
A conversa girava em torno da seca que fazia na região e que estava liquidando com as plantações de milho, feijão, abóbora e melancia, cultivos tipos da fronteira.
Até que o assunto virou e um fazendeiro, ainda jovem começou a falar em carreiras e soltou esta: Mas Chê, os amigos tem visto o que o Napoleão tem ganhado de Carreira com esta Malacara dele ? agora, na Capela no último domingo, ganhou da égua dos Temp que dizem que baixa de 17…
Eu para mim tenho que ele está dopando aquele matungo ou a mulher dele é Feiticeira, pois é do Caverá, é descendente de Bascos e estudou em colégio de Freira…
Se fez um silencio mortal e todos olharam para o Tio Tobias que, levantou-se do banco, com seus quase um metro e noventa de altura tirando, calmamente, o seu trançado de oito que estava no Cabo da Faca.
Dirigindo-se ao fazendeiro linguarudo esfregou- lhe o relho na cara e com bastante calma disse:
Fala de novo o que tu disseste do meu irmão e da minha cunhada que eu vou te dar uns laçaços e te cortar língua para tu aprender a não falar da minha família, seu vagabundo linguarudo….
O fazendeiro ficou branco como a canha que tomava, gaguejou alguma coisa e não conseguiu falar…
O Tio Tobias disse, ainda: Tu entendeste bem o que falei? Recebeu um aceno de cabeça em sinal afirmativo.
O Tio Tobias voltou, devagar, para o seu banco e disse para o Sadi: Me dá mais liso para firmar o pulso pois, hoje, posso precisar…
O jovem fazendeiro, levantou-se deu, falando baixo, Buenos dias para todos, e disse: Sadi, aponta para mim que outra hora eu te pago….
Montou no seu cavalo, tomou a estrada real e se recambiou para a querência… para ele a vontade de mais um trago tinha acabado…
Para mim, passados tantos, anos ainda guardo a gratidão para o Tio Tobias e a certeza de que Sangue não é agua…