Jayme José de Oliveira
Colunistas

Sócrates, Thomas Morus e John Le Carré

A insatisfação, complemento umbilical da curiosidade, em conjunto permitem ao homo sapiens desvendar os mais recônditos escaninhos da natureza. Não fora a curiosidade, ainda estaríamos habitando em cavernas.

A nossa civilização se desenvolveu porque a insatisfação não permitiu que nos deitássemos sobre os louros das primeiras conquistas. Pensas que o leito de musgos e folhas secas sobre as quais repousas são o máximo que podes auferir? Levanta e elabora algo melhor, mais higiênico, mais confortável, espicaçou a insatisfação.

E o homo neanderthalensis, há 350 mil anos, um primata na legítima acepção da palavra iniciou a longa, sofrida, laboriosa jornada que nos trouxe até aqui. E seguimos rumo a… não sabemos para onde, apenas temos a certeza que há muito caminho a trilhar.

John Le Carré escreveu “Amigos absolutos”, uma verdadeira diatribe ao nosso mundo dicotomizado. É dele na página 199 que reproduzo um texto:                                                                                                                              “Nos anos e meses em que fui retirado de Berlim Ocidental entrei em uma escuridão total. De que valiam alguns carros incendiados e janelas quebradas? Nosso movimento era inspirado não pela vontade das classes oprimidas, mas pela culpa liberal dos ricos. Em meu tumulto pessoal considerava as miseráveis alternativas à minha disposição. A adoração ao Deus da prosperidade inspirada pelos americanos me espicaçava ao ponto da demência. Se queremos construir um mundo melhor do que este, eu perguntava a mim mesmo: Para quem nos voltamos, que ações apoiamos, como podemos frustrar a marcha interminável da agressão capitalista imperialista”? (Sasha, personagem anarquista do livro “Amigos Absolutos” de John Le Carré, pg. 199).

Thomas Morus, em 1516, publicou “Utopia” que até hoje é ufanada por quem não leu ou leu e não entendeu patavinas.

Aos 17 anos li pela primeira vez e desatei em gargalhadas ante os desatinos inseridos. Aos 50 anos reli e, desta vez, fiquei chocado e não pude acreditar que haja alguém que considere sua “Bíblia”.

Rápidos traços da obra, não me permito maiores considerações:

Revoltado com as condições desumanas em que viviam as classes da base da pirâmide na Inglaterra: 16 horas de labor diárias, sem descanso semanal, sem férias, sem aposentadoria, sem assistência médica, sem um mínimo de dignidade… UM HORROR! Descreveu em contrapartida uma sociedade igualitária na “Ilha da Utopia”. Será verdadeiro o ´”Paraíso”?

  1. Não havia dinheiro, todos eram iguais. (???)
  2. O ouro era desprezado, fabricavam-se penicos com ele… mas era usado para financiar mercenários já que não possuía exército.
  3. Não havia ascensão entre as gerações. Na prática, quem nascia filho de pedreiro jamais ascenderia a mestre-de-obras.
  4. Professores, apenas os 2.000 sacerdotes e quem discutia o mestre era, se não se enquadrasse, relegado ao status de escravo.
  5. Se todos eram iguais perante a lei, como admitir a existência de escravos oriundos de prisioneiros de guerra e dos inconformados com seu status?

“Escravidão e ordem política” é uma comparação entre “Política” de Aristóteles e “Utopia” de Thomas Morus.

Excerto do artigo escrito por Felipe Landim Ribeiro Mendes – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP):                                                                                 “Este artigo pretende demonstrar como a escravidão aparece como um ponto fundamental nas ordenações políticas de Aristóteles e Thomas Morus. Por meio de uma análise da “Política” e da “Utopia”, busca-se esclarecer como os dois filósofos enxergam o cativeiro como algo além do que uma simples relação de dominação ou modelo de trabalho, encontrando na instituição escravagista uma das balizas de suas sociedades ideais”.

À primeira vista esta coluna aborda assuntos tão divergentes, opiniões tão contraditórias que o nexo parece ter dado um adeus e se evaporado. Contudo, analisem as opiniões dos maiores experts da atualidade e mesmo do passado, verificarão que o nexo tem sido raqueteado para lá e para cá como se uma bola de pingue pongue fosse.

O anseio do colunista é que, mais dia menos dia se encontre um denominador comum, a humanidade esqueça suas divergências e possamos, finalmente, viver em harmonia.

Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado

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