Somos todos iguais esta noite IV – Sergio Agra
SOMOS TODOS IGUAIS ESTA NOITE
(Novela em cinco capítulos)
Capítulo IV
Um homem “acima de qualquer suspeita”
Lembra nomes e fatos, Não souberam me entender, os sacanas! Na hora “H” me apunhalaram pelas costas. Alguns anos depois, um juizeco ainda cismou de metrancafiar atrás das grades… Morena, agora descontraída,revela-se boa ouvinte, querendo saber, E depois? O anfitrião expressa um sorriso estranhamente cínico ao olhar de sua convidada e num tom ainda mais sardônico explica, Primeiro, tratei de ficar “viúvo”. Ri-se de sua própria argúcia, Sepultei a bruxa em caixão lacrado, onde na verdade havia uma boneca inflável com uma máscara de gesso moldada sobre a cara da “falecida”, que tive antes o cuidado de enviar em segredo pra cá, com passaporte italiano. Dupla cidadania, sacum’é, tem a sua serventia! O gari sorve um longo trago do vinho, seca os fios do bigode nas mangas do macacão, recupera o fôlego e continua, Aí, dei um tempo. Numa viagem aérea o helicóptero em que eu viajava “sumiu” dos radares e “afundou” no mar, próximo a Angra dos Reis… Emite uma sonora gargalhada pirata e prossegue, Vim-me embora pra Roma. Apenas de fachada, sou varredor de ruas. Morena não dissimula a incredulidade, isso é flagrante em sua voz, Mas aqui, em Roma?
Didático, o gari esclarece, Em Brasília, no Rio de Janeiro, em São Paulo, Santo André, Guarujá, Atibaia… Escolha qualquer uma delas… Quanto mais se varre mais sujeira aparece. Não de lixo, mas de traidores, corruptos e corruptores, ávidos por uma delação premiada quando indiciados por falcatruas, recebimento de propinas, lavagem de dinheiro oriundo de superfaturamento e fraude nas licitações, e até mesmo por queima de arquivos… Atarantada, sem entender a quê o outro se referia, Morena indaga, Queima de arquivos?… O gari dá outra gaitada bucaneira, Te liga, muié, te liga!. Não acha que foi avião demais caindo em queda-livre ou delegado da PF assassinado em briga encomendada num bar noturno lá pros lados de Floripa?… Mudando o tom, percebe-se o desprezo em suas palavras, Nordestino, ou paulista ou carioca é tão bandido quanto qualquer outro brasileiro. Dá uma longa pausa como se estivesse avaliando o que estava por dizer, Eu fui ingênuo demais na época em que reinei soberano no Motel-Bras, fingindo “não ver nada” sujo e “de nada saber” quanto os “concierges” e “camareiros” cobravam de “gorjeta” pra ficarem calados. Eu poderia “afogar” toda essa sujeira nas águas do Lago Paranoá e, mesmo assim, nunca encerraria a paga. Aqui mesmo, onde ainda há muito lixo, ao menos não tenho hora e dia certos para, quando eu quiser, lépido e faceiro vir no Mãe Menininha e me deliciar com uma feijoadinha maneira do Nino.Mas fique você certa disso: vou entrar na História! Ou, melhor, já entrei! Voltando-se para Morena indaga, E você, o que faz?