Sergio Agra
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Tenho em mim todos os sonhos do mundo – Sergio Agra

TENHO EM MIM TODOS OS SONHOS DO MUNDO

Capítulo XXI Da Série As Crônicas de Aleph

Lembrando Fernando Pessoa

Aleph acatara o conselho paterno com a condição de que sua formação em Literatura Clássica e Contemporânea — sua grande paixão — se concretizasse no Exterior, mais precisamente em Portugal. No entanto, teria ele, antes de tudo, submeter-se e ser aprovado nas provas vestibulares ao Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Não apenas isso; deveria cursar o primeiro ano e, aí sim, candidatar-se à inscrição, deferimento da matricula e transferência para a Universidade de Lisboa.

Para surpresa dos pais Aleph obtivera, dois anos mais tarde, a admissão na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

A Universidade de Lisboa era considerada àquela época a melhor universidade de Portugal pelo ranking da QS. No ranking da Times, ela ocupava o quarto lugar. Apenas duas universidades brasileiras estão entre as trezentas melhores universidades do mundo. A Faculdade de Letras oferecia 17 cursos de licenciatura, assim como vários cursos de pós-graduações, incluindo vinte e cinco de mestrado e vinte e dois de doutoramento. Oferecia ainda seis cursos de especialização. Por ela passavam estudantes de todas as lonjuras: orientais, asiáticos, latino-americanos, na sua maioria mulheres de exótica beleza, como as gregas, as tailandesas, as colombianas e as mexicanas que vestiam decotadas blusas de tecido de crepe ou diáfanas camisas de seda em que irrompiam os belíssimos e protuberantes seios.

Fora, no entanto, Maria Pia C., a veronesa dos imensos olhos verdes, oblíquos e dissimulados que o enfeitiçaram. Aleph jamais olvidou de que ela, num dos primeiros e furtivos encontros, perguntara, — “Por que eu, se não faço bem às pessoas?”. Em toda sua vida Maria Pia nunca fora tão verdadeira. Gênios diametralmente opostos — que eu, em vão, lhes tentara fazer ver —, lançaram-se com todo ardor e paixão nsquela que jamais seria uma relação emocionalmente equilibrada.

Por ocasião das festas do Natal e do Ano Novo Maria Pia convidara Aleph para viajarem à Região do Vêneto. Verona e sua Piazza dei Signori, próxima ao palacete da família de Maria Pia, ao lado da lendária Casa de Julieta, com o balcão de onde ela ouvira as juras de amor eterno de Romeu, na Via Cappelo, a emblemática Ponte dos Suspiros em Veneza, o Il Duomo em Florença, ashistóricas cidades de Pádua, San DonàdiPiave e Belluno provocaram, cada qual, emoções distintas em Aleph. Fora, porém, a magia e o encantamento de Cortina D’Ampezzo, a mais bela cidade dos Alpes italianos, que intensificou a paixão de Aleph e Maria Pia. Na Noite de Natal Maria Pia o presenteara com um artesanato da região, uma delicada caixa, para guardar cartas e documentos, que lembrava um baú de corsários, lembrando-o, entre um sorriso travesso, — “Depositei um envelope lacrado que deverás me prometer, independentemente do que vier a nos acontecer somente no dia de teus 50 anos… No teu jubileu!”. Sem entender o propósito, Aleph quis saber, — “Por que somente daqui a vinte e sete anos? E por que jubileu?”. O sorriso de Maria Pia se estendeu ainda mais, — “Na antiguidade hebraica era a solenidade quando as dívidas e penas eram perdoadas e os escravos libertos!”. E riram descontraidamente do mote de Maria Pia.

Após brindarem à meia-noite a passagem do ano amaram-se intensamente sobre um belíssimo leito de plumas de cisne encoberto por um diáfano dossel no rústico chalé que alugaram à beira do Lago Ghedina.

Sete meses após Aleph receberia a notícia de que o voo Varig RG-820, que partira do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, com destino a Londres, com escala no Aeroporto Internacional de Orly, em Paris, realizara um pouso de emergência sobre uma plantação de cebolas, a cerca de quatro quilômetros do aeroporto francês, devido à fumaça dentro da cabine, provocada por um incêndio iniciado num dos banheiros do fundo do avião. O incêndio, a fumaça e a aterrissagem forçada resultaram em 123 mortes, dentre estes os pais de Aleph, que pretendiam seguir viagem até Portugal para, juntos com o filho, aproveitarem o verão europeu.

Como se houvesse programado seu cérebro em nível de “piloto automático”, na data que estava prevista para a chegada de seus pais a Lisboa Aleph apanhou a Linha Vermelha do metrô. Destino: Aeroporto de Portela.

Em Moscavide, uma vila e antiga freguesia portuguesa do município de Loures, a duas paradas antes do aeródromo, Aleph libertou-se da letargia que o assaltara e abandonou o comboio. Não muito distante da Estação do Metrô havia uma arborizada praça à beira da larga e movimentada avenida. Pensamentos dos mais diversos se mesclaram em sua mente: a arrebatadora viagem que fizera com Maria Pia, os detalhes de cada lugar por onde passaram, o significado de cada um deles, o enigma Maria
Pia, aquela que lhe prevenira, — “Por que eu, se não faço bem às pessoas?” —, a notícia da queda do avião e de que nele viajavam seu pai e sua mãe, a quem não mais veria, mortos! A indagação de o quê fazia ali, naquela desconhecida praça, próximo ao aeroporto onde nada lhe restava fazer…

Nos oito anos em que permaneceu como aluno da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Aleph cursou os níveis de Licenciatura, Mestrado e Doutoramento. A Tese de Doutorado “Os Enigmáticos Heterônimos — Fernando Pessoa ou do Interseccionismo” assegurou-lhe a cátedra de Literatura Lusa Moderna, primeiramente na Universidade do Porto, mais tarde na própria Universidade de Lisboa.

Maria Pia C., retornando a Verona, encastelou-se entre as sólidas paredes do seu palácio. Ela — Aleph menos ainda — jamais apagaria da memória os momentos que juntos viveram …

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