77 Anos do naufrágio do Bento Gonçalves: tragédia marcou o Litoral Norte
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Tragédia no Litoral: naufrágio do Bento Gonçalves completa 77 anos

Neste 20 de setembro, completa-se o 77º aniversário de uma das mais marcantes tragédias ocorridas no Litoral Norte do Rio Grande do Sul: o naufrágio do rebocador Bento Gonçalves.

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O acidente, que tirou a vida de 18 das 20 pessoas a bordo, incluindo figuras políticas importantes da época, ocorreu em 1947 e até hoje é lembrado por moradores da região de Osório.

O rebocador, que possuía 14,8 metros de comprimento e 2,85 metros de largura, movido por um motor de 44 HP a lenha, partiu do porto de Osório às 11h20min daquele fatídico sábado.

Sua missão era levar uma comitiva para um comício da União Democrática Nacional (UDN) no então distrito de Maquiné, em meio à campanha eleitoral.

Durante o trajeto, após cruzar as lagoas do Marcelino e do Peixoto, a embarcação enfrentou fortes ventos na Lagoa da Pinguela.

Por volta das 12h30min, uma violenta rajada de vento fez o barco adernar, resultando no trágico naufrágio.

Entre as vítimas estavam o deputado constituinte de 1946, Osvaldo Bastos, e o ex-prefeito de Osório, Cândido Osório da Rosa, que concorria novamente à prefeitura naquele ano.

Dois passageiros, entretanto, sobreviveram ao acidente: João da Costa Vilar, mais conhecido como João Clemente, e o sapateiro Alzemiro Viana Negreiros.

Dr. Sander Fridman - 16/11

Ambos conseguiram se salvar de maneira heroica, com João Clemente nadando até a margem e Alzemiro se segurando na chaminé do barco.

Após ser retirado das águas, o Bento Gonçalves continuou a operar por quase quatro décadas, até ser desativado em 1984.

O acidente, no entanto, deixou uma marca profunda na história local, sendo lembrado anualmente pelos moradores de Osório e região.

João Clemente imortalizou sua experiência em 94 versos, descrevendo as horas de aflição vividas nas águas da Lagoa da Pinguela.

Este testemunho poético é um dos registros mais emotivos da tragédia e ajuda a preservar a memória desse evento devastador.

Massagem

Horas de Aflição

Com estes meus rimados versos de 4 linhas vou contar aos amigos, os trabalhos que passei nas águas da lagoa da Pinguela em 20 de setembro de 1947 quando naufragou o rebocador Bento Gonçalves, do dia em que saí até o dia que cheguei.

1 – Nos versos de 4 linhas
Vou contar aos meus amigos
Os trabalhos que passei
Nas águas sem ter abrigo.

2 – Deixei o Tramandaí
A minha terra natal
Fui assistir um comício
Na vila Marquês do Herval.

3 – Um dia de chuvarada
Acompanhada de vento
Sai de Tramandaí
Para passar tantos tormentos.

4 – Como udenista de classe
E leal ao meu partido
Não poderia deixar
De acompanhar meus amigos.

5 – Entre emboava e fulgêncios
Fiquei muito surpreendido
Pelo aviso que tive
De um pássaro desconhecido.

6 – Já podia ter voltado
Por já ter essa experiência
Mas como diz o ditado
Quem mal não faz, mal não pensa.

7 – Fui a cidade de Osório
Esperar o deputado
Que vinha no outro dia
Da capital do Estado.

Xis do Jô

8 – As 9 do dia vinte
O deputado chegou
Saímos todos para o porto
Tomar o rebocador.

9 – Nos deram o Bento Gonçalves
Que estava atracado ao porto
Não é que ali tivesse
Vapores com mais conforto.

10 – Ali com poucos minutos
O pessoal embarcaram
Ouvimos certas caçoadas
Do partido adversário.

11 – Mas não ligamos importância
No qual o povo dizia
Seguimos nossa viagem
Com prazer e alegria.

12 – Daí a poucos minutos
Deixei o porto de vista
Palestrando com amigos
Da caravana udenista.

13 – Eu fiquei no camarote
Onde estava o deputado
Apreciando as anedotas
Do senhor Manoel Quadros.

14 – Tudo estava em boa ordem
A caravana animava
O pavilhão U.D.N.
Na vanguarda tremulava.

15 – Marcha Bento Gonçalves
Marcharemos todos com fé
Vamos comer um churrasco
Na vila de Maquiné.

16 – Na lagoa do Peixoto
Já era rijo o tufão
Mas como o vento era popa
Não se prestava atenção.

17 – Todo o povo satisfeito
Com alegria e prazer
As horas se aproximando
Para tal fato acontecer.

18 – Quando entramos na Pinguela
Na lagoa traiçoeira
Vendo que o barco ia mal
Já não quis mais brincadeira.

19 – O nome deste vapor
É um nome guerreiro
Quando subia na vaga
Mostrava a quilha ao pampeiro.

20 – Como pescador antigo
Conhecendo o temporal
Avisei ao comandante
Neste rumo vamos mal.

21 – Ele fitou-me sorrindo
E depois me respondeu
Sou o capitão do barco
E quem manda aqui sou eu.

22 – Eu tornei a repetir
Como sendo um passageiro
Você não é comandante
E nem tão pouco marinheiro.

23 – Todo mundo quer ser mestre
Sem ter o conhecimento
Aguentou-se no mesmo rumo
Pedindo mais forte vento.

24 – Se ele orçasse o aribace
Não morria os companheiros
Tenho certeza em que digo
Porque sou bem canoeiro.

25 – Nos disse certas palavras
Que até hoje sinto
Vamos no Bento Gonçalves
O herói de trinta e cinco.

26 – Aqui que manda sou eu
Por tudo sou responsável
Não eram ditas as palavras
Virou o Bento Gonçalves.

27 – Meus leitores eu vos pergunto
Qual é o nosso conforto?
A gente rindo e brincando
E em segundos morto.

28 – Foi uma cena cruel
Entre todos companheiros
O pessoal do convés
Foi quem morreu primeiro.

29 – Levei um choque terrível
Mas depois me convenci
Nada mais tenho a fazer
Pois para morrer eu nasci.

30 – Lá não tinha salvo a vida
Mas nada tinha ali
Botemos o peito na água
Cada um faça por si.

31 – Lembrai-me de todos meus
Da minha fiel mulher
Entreguei-me para Deus
Faça de mim o que quiser.

32 – Conhecendo que morreria
Contando a causa perdida
Nunca mais que esperava
Voltar a casa com vida.

33 – Foi em 20 de setembro
Em véspera de São Miguel
Eu nunca me esquecerei
Daquelas horas cruéis.

34 – Nos valha Nossa Senhora
Nosso Deus do infinito
Já não posso mais ouvir
Tanto clamor, tanto grito.

35 – A Virgem Nossa Senhora
Era que o povo implorava
As ondas de peito à peito
Mais forte se levantavam.

36 – Pegados no camarote
Tinha uns quantos companheiros
Mas as ondas arrancavam
Morriam muito ligeiro.

37 – Ei ali também pegado
Esperando a minha hora
Mas sempre me lembrando
Da Virgem Nossa Senhora.

38 – No meio deste conflito
Nos meus ouvidos soava
Aquele pássaro que vi
Entre Flugêncios e Emboava.

39 – Lá ficou 18 vidas
Que muita falta deixou
E triste descriminar-se
Tudo que ali se passou.

40 – Meu amigo Manoel Quadro
Aos meus pés veio morrer
Pedindo que eu lhe salvasse
E eu nada pude fazer.

41 – Meus leitores pensem bem
Na minha situação
Vendo o amigo morrer
Sem poder de salvação.

42 – Todos pediam socorro
De onde podia vir?
É preciso muita calma
Para poder resistir.

43 – Aquela tolda arrancasse
De que maneira não sei
Fiquei a mercê das ondas
Agora sim morrerei.

4 4- Peguei-me no pau da bandeira
Que era a última salvação
Este pau também quebrou-se
Fiquei sem nada nas mãos.

45 – Fiquei lutando com as ondas
Naquela grande agonia
Quando passava por mim
A prancha que Deus trazia.

46 – Na mesma prancha pegou-se
Um moço novo e nadador
Um marinheiro de bordo
Do mesmo rebocador.

47 – Mas não pode se salvar
O seu destino não quis
Ficou batendo nas ondas
Aquele pobre infeliz.

48 – Fiquei sozinho lutando
Naquele largo terrível
Mas sempre me lembrando
Para Deus nada é impossível.

49 – Muitas vezes daquela prancha
Pelas ondas fui varrido
Mas tinha o Anjo da Guarda
Que sempre esteve comigo.

50 – E ia ao fundo e vinha acima
Tornava a me segurar
Bebendo água forçada
Minutos sem respirar.

51 – Contando estes trabalhos
Nunca a esperança perdia
Parece que eu enxergava
A Virgem Santa Maria.

52 – Por ser um filho de Deus
Um homem de fé e crente
Não poderia morrer
Nas águas isoladamente.

53 – Quatro horas dentro da água
Um pobre velho a lutar
É preciso muita fibra
E um anjo para lhe auxiliar.

54 – Com a capa gabardine
Fatiota de casemira
E se lutar contra as ondas
Até parece mentira.

55 – Oh! Minha Virgem Maria
Oh! Minha mãe, minha amada
Quem tem Deus por si tem tudo
Quem não tem Deus não tem nada.

56 – Quando avistei o juncal
Antes da praia chegar
Me veio a inspiração
Talvez eu vá me salvar.

57 – Já estava quase me entregando
Força nos braços, não tinha
Quanto mais perto da costa
As ondas mais fortes vinham.

58 – As quatro horas cheguei
No porto da salvação
Por seu um filho devoto
Da Virgem da Conceição.

59 – Morto de frio e cansado
Sem poder mais caminhar
Pedindo a Nossa Senhora
Não me deixe encarangar.

60 – Atirei-me sobre a praia
Gemendo por sofrer tanto
Fiz a minha devoção
Padre filho, Espírito Santo.

61 – Olhando para aquelas ondas
Que pareciam um serra
Ainda não me conformava
Que estava pisando na terra.

62 – Me arrastava um pouquinho
A falta de ar me vinha
Com muito custo cheguei
Numa velha moradinha.

63 – O dono desta morada
Já foi de Tramandaí
Chamou-se Quinca Liandro
Fez o que pode por mim.

64 – Me perguntaram, eu contei
Tudo que aconteceu
Que lá no cano ainda tinha
Um sofredor como eu.

65 – Vão salvar aquele amigo
Que é um dos últimos companheiros
É o Alzimiro Vianna
De profissão sapateiro.

66 – Dali saiu um gaúcho
Com toda velocidade
Levando a triste notícia
Que alarmou toda cidade.

67 – Ficou lá meu companheiro
Fazendo a Deus suas preces
Escorando as rajadas
Do furioso noroeste.

68 – Homem forte e de coragem
Que nunca desanimou
Às 7 horas da tarde
A salvação lhe chegou.

69 – Devo minha vida a Deus
Não devo para mais ninguém
Se eu tivesse morrido
Ele morria também.

70 – O senhor Quinca Liandro
Sempre fomos muito amigos
Ele não me conheceu
Criado sempre comigo.

71 – Me perguntou o meu nome
Como deveria tratar
Eu sou de Tramandaí
João da Costa Villar.

72 – Ali passei toda a noite
Como dormir por não poder
Me lembrando da família
Quando chegasse a saber.

73 – Pelas 10 horas da noite
Sem dormir, fui visitado
Pelo Dr. Mário Dani
Com Maiolino, delegado.

74 – O dia estava clariando
Chegou meu genro e um cunhado
Que foram lá me buscar
Aonde eu tinha naufragado.

75 – Quando meus filhos chegaram
Que vieram me abraçar
Meu coração partiu
Fui obrigado a chorar.

76 – Chamei seu Quinca Liandro
Perguntei o que devia
Não me fale em pagamento
Só cumpri como devia.

77 – Dei-lhe um abraço apertado
Me despedi, vim embora
Direto a minha casinha
Com Deus e Nossa senhora.

78 – Com pouco estarei em casa
Se Deus me favorecer
Vou ver minha família
Que nunca mais pensei ver.

79 – Na subida da fachina
Encontrei um carro novo
Era o pessoal que vinha
Lá do Correio do Povo.

80 – O repórter perguntando-me
Eu dizendo o que sabia
Depois pegou sua máquina
Tirou-me a fotografia.

81 – Segui minha viagem
Considerando na estrada
Preparando o coração
Para resistir a chegada.

82 – O povo se aglomerava
É só que ouvia falar
O Villar está com vida
Não se pode acreditar.

83 – O povo todo em geral
Principalmente as mocinhas
Morreu João Villar
Acabou-se nossa bandinha.

84 – Antes de chegar em casa
Mandei o carro parar
Encontrei Dona Alzira
Veio me felicitar.

85 – O chofer deste carro
Era o seu Pedro Izabel
Que não mediu sacrifício
Naquela noite cruel.

86 – Tenho o meu anjo da guarda
Anjo do céu resplendor
Levou-me à minha casinha
Cheio de graça e amor.

87 – Esta chegada foi triste
Difícil de se agüentar
Toda família chorava
Também tive que chorar.

88 – Minhas cunhadas e comadres
Toda gente me abraçava
Nesta hora sufoquei-me
Minhas lágrimas pingavam.

89 – Quem me ver rir e brincar
Não sabe o meu sentimento
Aquele triste passado
Não me sai do pensamento.

90 – As famílias mais distintas
Residentes no lugar
Esperavam minha chegada
Para me felicitar.

91 – Não morri naquele dia
Mas me vi atrapalhado
Salvei-me numa taubinha
Como lá diz o ditado.

92 – Peço aos amigos leitores
Que leiam com atenção
Aqui só conto a verdade
Não existe alteração
São idéias de um homem sério
E de bom coração.

93 – Não tenho com quem se queixar-me
O meu destino assim quis
Já fiz minhas orações
Na igreja da Matriz
Hoje estou no meu ranchinho
Me sinto muito feliz.

94 – Me lembrando do passado
Os tormentos que passei
Lá ficou os meus amigos
Eu também quase fiquei
Não mudo minha idéia
Sempre UDENISTA serei!

João da Costa Villar – O Sobrevivente

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