Colunistas

Uma fábula de galo

Minha mãe viveu seus últimos anos numa casa de repouso. Era uma bela, arejada e imensa casa, no alto do Bairro Assunção, em Porto Alegre, rodeada por um colorido e bem cuidado jardim. Enfeitavam-no canteiros de rosas, girassóis, beijinhos e margaridas. Para as senhoras (pois eram apenas mulheres) residentes era um regalo, nas ensolaradas manhãs de outono e primavera, sentarem-se em confortáveis poltronas e aspirar o odor adocicado que exalava das flores.

Não, ali não havia a famigerada e de mau gosto estatueta do anão de jardim. Havia, isto sim, um impávido e orgulhoso galo, que era o alvo do afeto das gentis senhoras.
Claro, estou a falar de um galo vivo!

Vaidoso e faceiro, circulava entre as rosas e os beijinhos como o top model das passarelas. Ele entendia como se fossem os olhares daquelas mulheres (não para as flores,para quem na verdade eram),o agradecimento por colorir ainda mais as cálidas manhãs. E, ingênuo, dava continuidade ao desfile.
De fato, era ele um galo de andar pedante: a cabeça erguida, ora mirava a esquerda, ora a direita, e cada passo dado lembrava a marcha forte dos soldados da antiga União Soviética.

A cada visita à minha mãe, ardia-me a curiosidade de saber o que fazia aquele galo, não o rei do galinheiro, o vigilante das delicadas flores que enfeitavam a casa e serenavam a alma das residentes.

Uma das cuidadoras da casa me contou: ele fora, quando jovem, premiadíssimo em Exposições Aviárias, até que sofreu uma queda quase total das penas, obrigando-o, inclusive, ao isolamento. Quando as recuperou, não apenas passara da idade de concorrer em exposições como tornou impossível o retorno ao convívio com a sua espécie.
Por isso não me espantei quando, em certa manhã, ao levar alguns quitutes e doces à minha mãe, quase todas as residentes, em volta do jardim, cantavam um ruidoso “Parabéns a você”.

O aniversariante era nada mais nada menos do que o galo, o rei do jardim, que, naquele momento, olhava tristemente para um bolo todo enfeitado com grãos de milho, lembrando, quem sabe, os seus tempos de premiado nas Exposições.

Moral da história: Mais triste é acabar como ilusório vigilante de jardim do que ser sacrificado num espeto corrido para as velhas senhoras.

Comentários

Comentários