Uma questão de gene
O descrédito que grassa as nossas instituições públicas, ao que tudo indica, não mais encontra barreiras ou as instransponíveis muralhas que, até então, cercavam, sobretudo, as mais altas Cortes de Justiça: o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A dubiedade dos votos proferidos naquelas Casas e a lavação pública da roupa suja entre os ministros Joaquim Barbosa e o presidente da corte, Gilmar Mendes, deixaram expostas as mazelas que por ali também passaram a transitar.
E os cidadãos que pagam religiosamente seus impostos hão de estar se perguntando: – “O que sobra para nós, os outros?”.
Os gaúchos, que historicamente têm o orgulho infantil de ser os melhores em tudo – o Estado mais politizado, a Assembléia mais ética, o Judiciário mais ágil e vanguardista, a população mais letrada e culta do Brasil – hão de estar com barbas e bigodes “de molho”. Desnecessário comentar a crise de governabilidade que ora estamos assistindo, por conta de fraudes, corrupções, desvio de fundos de campanha e tantas outras incontáveis e malcheirosas mixórdias.
Apesar de minha ojeriza aos clichês, valho-me de um deles: – “Temos os governantes e nossos representantes que merecemos!”. O gene que instituiu o famigerado “o negócio é levar vantagem em tudo” parece ter vindo na primeira caravela que aportou nas praias da Terra de Santa Cruz.
Por isso, me vem à memória a temporada que permaneci em Zurique, uma belíssima cidade encravada aos pés dos Alpes suíços, banhada pelo lago que leva o mesmo nome, com uma população estimada em, aproximadamente, quinhentos mil habitantes. Ali vivenciei uma experiência digna de registro.
Não me reporto apenas à educação do seu povo, que mantém as suas ruas exemplarmente limpas, jardins bem conservados, respeitando o trânsito, sobretudo, o patrimônio alheio, público ou privado. Exemplo disso, o fato de uma carrocinha de frutas e legumes, estabelecida na calçada fronteira ao hotel, que toda a noite era abastecida e os produtos ali permaneciam, a madrugada inteira, incólumes, até que o comerciante ali chegasse no dia seguinte. Reporto-me, isto sim, à perda de um talão, contendo mil dólares em traveller-check.
Desatinado, busquei a agência bancária representante dos cheques de viagem. Embora estivesse encerrado o expediente, fui atendido e aconselhado a registrar o fato no distrito policial mais próximo, o que, de posse do boletim, me respaldaria a buscar na agência do banco em Londres, para onde viajaria no dia seguinte, o equivalente a 80% do valor original do talão. Porém, o ritual burocrático e a significativa dificuldade de entendimento, emperravam o processo.
Apelei novamente ao banco e este, de imediato, encarregou um funcionário para me auxiliar.
Bancário e policial discutiam acaloradamente em alemão. Resumo da história: o talão havia sido encontrado por uma senhora, de condições pobres, a quem, por lei, deveria ser destinado 20% do valor do bem encontrado. Após contundente defesa do agente bancários, por ser estrangeiro e desconhecer o dispositivo legal, fui devidamente “anistiado”.
Fica, pois a pergunta, simples e direta: o fato se repetiria, com os mesmos detalhes, aqui por estas plagas?