Vivendo e aprendendo a jogar – Sergio Agra

Sergio Agra

VIVENDO E APRENDENDO A JOGAR

Capítulo X da Série As Crônicas de Aleph

Nas madrugadas primeiras na nova rua o estrondo das rodas dos bondes na interseção dos carris equiparava-se ao de uma colisão de aviões em pleno voo. Aleph despertava em sobressaltos. Depois ele era acometido por pesadelos.

Aquele bairro até meado do Século XX era predominantemente formado por ruas com antigas e modestas casas geminadas em cujas fachadas se descortinavam estreitas portas e janelas.  Nelas viviam os descendentes de escravos, Mais tarde, ao se erguerem os primeiros prédios de apartamentos, restaram poucas das anacrônicas habitações em franca ruína que com pertinácia desafiavam a inevitável modernização e crescimento do distrito, desenhando o constrangedor contraste. As famílias mais desprovidas se virampor esta razão forçadas a migrar para arrabaldes distantes ou para as encostas dos morros das periferias.

Os novos moradores eram em sua maioria pertencentes à classe média: advogados e arquitetos em início de carreira, professores universitários, comerciantes, contabilistas, bancários, farmacêuticos, militares.Fora num prédio de apartamentos recém-construído do primeiro quarteirão daquela rua que Aleph e os pais se instalaram. Aos poucos outros recém-chegados ali também iam se situando.

Aleph não conhecia até então nenhum parceiro para os folguedos e para o início de uma amizade; somente duas irmãs que contavam quatro e dois anos de idade que moravam no mesmo pavimento. Era isso tudo no pensar de Aleph o fim dos tempos, —“Arre, brincar com meninas, estão doidos?Não! Mas não, mesmo!”.—A mãe, conforme fiquei sabendo, longe estava de se julgar insana,— “Não, senhor! Pra rua é que você não vai!Quem afinal o senhor pensa ser? Ir para a rua, onde o tráfego de automóveis, ônibus e bondes põem até mesmo nós, os adultos, em risco?” —O pai endossara o discernimento da mulher, — “Brincadeiras somente na casa das vizinhas! Para isso tens também o horário do recreio no pátio do colégio!”. O moleque, imperioso, não dava o braço a torcer, — “Eu sou homem!— protestara Aleph. — Não vou brincar de casinha com essas pirralhas!”.— “Vais acabar gostando.”— profetizara a mãe.—“Pois sim, eu quero é jogar futebol!”. O pai encontrara a solução para arrefecer os ímpetos do guri, — “Espera! Vou te inscrever numa associação esportiva, bem perto daqui! Além disso, teu maninho já está quase chegando!”.— “O quê, um irmão? Ah, mais esta: ter que dividir o quarto com esse intruso? E quem garante ser um menino?”.— Os pais se entreolharam, apanhados que foram pela argúcia do moleque.

Para maior desencantamento de Aleph quem chegara na verdade não fora um “intruso” e sim a bela e rosada menina exigindo a divisão dos cuidados vindos dos pais. Por isso fora concedida a Alepha permissão para os divertimentos na larga calçada com os garotos das cercanias.Com o passar do tempo as inconsequentes brincadeirasevoluíram para o que os moleques imaginavam atributos de virilidade e coragem:exibições de luta-livre e caratê para impressionar as ingênuas meninas, mas que não passavam de pueris patacoadas. Aleph jamais esqueceria aqueles descompromissados dias, afinal…

https://www.youtube.com/watch?v=UQnga_JP2UU

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