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Quem matou Alírio Cássio di Zabanetta Noronha? – III

O mês era março; o ano, 2005. Os plátanos que ornavam a longa avenida e os pássaros de arribação já evidenciavam o início, ainda que ameno, de mais um outono. Foi quando elegi Capão da Canoa a cidade dos meus andares ao pôr-do-sol no seu Calçadão, dos meus devaneios à beira-mar, dos pés-descalços na areia da praia, das madrugadas insones que, com toda a certeza, haveriam de existir, da minha nova morada, enfim.

No entanto, não percorri impunemente os caminhos de uma mudança de cidade sem ao menos sofrer contundentes bordoadas físicas, financeiras e emocionais. Estas, sobretudo, ante a constatação da infinidade dos guardados e colecionados ao longo dos anos.

Atarantado, descobri que o espaço para as estantes inexplicavelmente encolheu, e me perguntei o que fazer?  Aonde dispor os mais de mil livros da minha biblioteca? Fora os que ficaram esquecidos no caminhão da mudança…

O racional seria fechar os olhos e, sem qualquer pudor, oportunizar um “sepultamento” honroso às tralhas: jornais, revistas, folderes, postais, cartas de uma antiga e doce namorada que, numa manhã de outono, muito parecida com aquela em que aqui aportei, me deixou, para alçar vôo com o trapezista de um circo que passara por Porto Alegre; retratos de um baile perdido na memória, programas de teatro e de musicais da Broadway, souvenires em bronze das Torres Eiffel e Pisa, do Empire State, da Estátua da Liberdade, do bonde de San Francisco, da Pirâmide do Faraó-Menino e estranhezas outras que sequer lembro onde as desencavei.

Aos poucos, a sala vai ganhando os sutis contornos de um gabinete de estudo: computador ligado, Internet instalada, livros dispostos por assunto e em ordem alfabética pelo nome do autor, enfim, manias que só um “marido da Julia Roberts (Dormindo com o Inimigo)” teria.
Aqui aportei no ocaso da temporada de verão, onde os corpos ainda dourados pelo sol e cinzelados pelo Grande Escultor, que é dádiva tão-somente às nossas maravilhosas gaúchas, deleitaram-me os olhos do corpo e d´alma.

As águas de março fecharam o verão e desvendaram, no entanto, “as sombras” Junguianas de Capão: os desníveis dos calçamentos, o alagamento crônico após qualquer chuva, o desabamento do Calçadão da Avenida Beira-mar sem qualquer reparo imediato, o matagal invadindo o passeio, o descaso dos serviços de saúde e de assistência social do município aos incontáveis chamados dos populares para socorrer dois mendigos que estertoravam nas plataformas da estação rodoviária por mais de três horas, até que uma ambulância do Corpo de Bombeiros os recolheu.

Aqui não me estabeleci para ser tão-somente contribuinte das burras municipais. Vim exercer minha cidadania, fazer o que mais gosto: caminhar pelo Calçadão, ler, escrever, contestar, se justo for, aplaudir o que se fizer merecedor e ser águia fiscalizadora para que Capão da Canoa conquiste o lugar que realmente merece como cidade. Basta o fundamental: competência e visão administrativas.

Mesmo porque, não acreditava, naquela ocasião, que prefeito e secretários fizessem deste manancial onde passei a morar um reles objeto de interesses meramente político e corporativista.

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