Colunistas

A indelével força das palavras

Para Theophilo Pereira Agra, in memoriam

O sábado, Dia do Natal, amanheceu em sua tristeza cinzenta. Chovera muito na madrugada. Dormira – e eu sei que dormi – um sono profundo.

Quando despertamos desse intenso sono, quebramos a teia delgada de algum sonho. Entretanto, um segundo depois, por mais fraca que tenha sido esta teia, não nos lembramos de ter sonhado. Isto nem sempre é assim. Há sonos tão profundos que, ao dele despertarmos, confundimos o real com os nossos sonhos.

Não foram poucas as vezes em que despertei imaginando estar num antigo quarto de uma casa que já nem mais existe, ou de, em pleno domingo ou dia feriado, apressadamente, abrir roupeiros e buscar ternos e gravatas para seguir para o trabalho. Lembro-me de alguns sonhos que, de tão intensos, na consciência me fora penoso admitir jamais ter vivenciado semelhante circunstância ou ter me desfeito de bens que neles haviam aflorado. Aquela madrugada do Natal fora assim.

Talvez por essas remembranças quedei-me triste, melancólico. Aliás, de alguns dias para cá, ando assim, depois de um procedimento cirúrgico de penosa recuperação e da releitura do poético e, no entanto, perverso, O Caçador de Pipas, do escritor afegão Khaled Hosseini.

Os poetas, permitimo-nos viajar ao universo da tristeza, sobretudo agora, em que nos aproximamos do Natal e do Ano Novo. Esta é, sem dúvida alguma, uma época que demanda alguns cuidados especiais, pois traz consigo antigas questões: onde e com quem passar o Natal e o Réveillon? É o mês no qual os deprimidos sofrem mais, a tristeza cresce com o sentimento de solidão e a recordação dos que partiram e de amores perdidos. Há mais melancólicos e tristes que alegres no mundo, mas são estes últimos (os alegres) que puxam a humanidade. Não sei dizer bem para onde. Os deprimidos dizem que para o fundo do abismo, já os otimistas estão confiantes de que seja para um mundo melhor.

Meu pai, embora não o demonstrasse muito claramente, pertencia à categoria dos otimistas. E é a lembrança de um episódio por nós vivenciado que neste momento me revigora, me alenta. Sábio, ele serenava e aparava minhas angústias. Ouvia-me com paciência e, ao fim, sentenciava, Filho, não esquenta, os acontecimentos e as pessoas, muitas vezes não são o que imaginávamos e desejávamos que fossem!

Poucos dias após ter-me graduado, trabalhei por algum tempo na consultoria jurídica do Estaleiro Só, à época em que a empresa vivia o ápice de suas exportações. Éramos apenas dois advogados: o chefe e eu. Não obstante, tinha a nítida sensação de que boicotavam meu trabalho, puxavam-me o tapete.

Não afirmo ter passado incólume pelo episódio. No entanto, foram, durante muito tempo, as palavras ditas por meu pai ao telefone, na primeira hora de cada manhã, que me alimentaram a prosseguir na empreitada:

– Bom dia, meu filho. Uma boa jornada de trabalho!

Não era preciso mais do que isso…

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