Colunistas

O mercado dos afetos

“E disse Pedro: Não tenho prata nem ouro,
 mas o que tenho, isso eu te dou”- (Atos,3:6)

Desnecessário dizer que a engrenagem do nosso universo é movida pela imensa e poderosa roda do mercantilismo. Por isso, não sou afeito ao consumismo que a máquina publicitária e as mídias estimulam, sobretudo nas “datas comemorativas”.

No Dia Internacional da Mulher, por exemplo – e, muitas vezes, em datas outras sem um significado específico –, através da minha, sempre preiteei a todas as mulheres por tudo que elas representam em nossas vidas, com um poema, com o singelo botão de uma rosa e – por ser um desafinado nato – até mesmo com a doce loucura e ousadia de acordar Guiomar através de um carro de som, onde gravei, com música incidental, uma crônica apaixonada.

Das coisas que lhe sou eternamente grato – e as verdadeiras mulheres e companheiras deveriam, incondicionalmente, ser atentas a isso – foram as ocasiões em que ela me cobrava, senão a visita, ao menos um telefonema à minha mãe.

Quando residia em Porto Alegre, o meu dia-a-dia era autêntica maratona. Além do compromisso com o trabalho, eu ministrava, dentre outros afazeres, oficina de criação literária numa escola da periferia. Mas, muitas e muitas vezes – sim, lembrado por Guiomar –, sempre houve o espaço e o tempo para demonstrar a Dona Gelny, minha mãe, o meu amor, o meu afeto e veneração.
Para o psicólogo suíço, Jean Piaget, o afeto apresenta várias dimensões, incluindo os sentimentos subjetivos (amor, raiva, depressão) e aspectos expressivos (sorrisos, gritos, lágrimas). Na visão de Piaget, o afeto se desenvolve no mesmo sentido que a cognição ou inteligência, e é responsável pela ativação da atividade intelectual. Com suas capacidades afetivas e cognitivas expandidas através da contínua construção, as crianças tornam-se capazes de investir afeto e ter sentimentos validados nelas mesmas. O afeto é o princípio norteador da autoestima. Atendendo as necessidades afetivas de seus filhos, desde cedo, eles se tornarão mais satisfeitos consigo mesmo e com os outros.

Existe, assim, uma receita, um “manual de instrução” para que os pais atendam exemplarmente as necessidades afetivas de seus filhos para que eles se tornem seres satisfeitos consigo mesmo e com os outros? Para que, mais tarde, a exemplo do que fui, haja a retribuição dos afetos?

É evidente que não! O princípio basilar é o amor, a atenção, a valorização e o respeito à criança como ser independente que ela é.

Meus pais não foram materialmente afortunados. Eram, sim, ricos e generosos em seus afetos. Se morávamos de aluguel, se não frequentávamos caros restaurantes, se durante muito tempo, até adquirirmos o primeiro automóvel, nossos passeios resumiam-se, aos fins de semana, em idas a Ipanema ou Belém Novo, em ônibus lotados e malcheirosos, nem por isso, mais tarde, tive vergonha ou constrangimento em contar aos amigos. Sempre me orgulhei de meus pais: ele bancário, ela servidora pública federal. Viveram e me educaram dentro dos patamares por eles conquistados. Deles herdei, sim, a generosa capacidade de distribuir os meus afetos.

O afeto que se oferece, como bem definiu na epígrafe o apóstolo Pedro, é o tesouro mais precioso e conciso, numa relação dentro de uma sociedade.

Por isso, um “Oi, como está você? Está precisando de algo? No final de semana dou uma chegada até aí para te dar um beijo e um abraço infinito!”

E este tesouro, não tem preço!

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