O indelével estigma
Não havia sábado, mesmo no mais recôndito bairro da mais longínqua cidade em que não houvesse um iluminado salão de clube, o romantismo das músicas das grandes orquestras, dos conjuntos melódicos ou, até mesmo, a mais simples das reuniões dançantes na sala de uma casa onde sofás e mesas eram afastados ou retirados para outros cômodos paraque os sons, vindos de uma pequena e esforçada, vitrola embalassem os sonhos daquela juventude. A apoteose disso tudo se cristalizava nos bailes de debutantes.
Vem-me à lembrança uma pequena, no entanto promissora, aldeia em que o presidente do único e modesto clube resolvera realizar um baile de debutantes. Seria, para o dirigente, a oportunidade de ouro para seu patusco filho aproximar-se e conquistar o coração da mais bela e virginal adolescente da região.
O clube, sabidamente, passava por dificuldades: as tábuas do piso do salão estavam empenadas, as cadeiras com assentos de palha desgastados, as toalhas das mesas puídas e desbotadas, a fiação elétrica a céu aberto, a copa e cozinha desprovida de higiênicos balcões e geladeira.
O presidente reuniu-se com tesoureiro do clube e, juntos, tramaram, com os principais fornecedores das redondezas e até mesmo da capital a transformação não apenas do salão de baile, a sede toda com luxuosas dependências. As despesas seriam pagas pelos ingressos superfaturados a serem cobrados dos associados. Afinal, tão cedo em suas vidas não mais veriam um acontecimento com tamanha grandeza e luzes.
O pai presidente e o bronco filho já viam a conquista da bela e glamorosa debutante como favas contadas.Jamais supunham, entretanto, a presença de um imponente e jovem forasteiro que ali aportara ao volante de um flamante automóvel Mercedes Benz.
Alto, loiro, olhos azuis, os ombros que se salientavam no elegante smoking, impossível não ser notado, o rapaz, na primeira valsa entoada, convidarapara a contradança a mais bela da festa. Bailaram sete e inesquecíveis canções, o suficiente para serem vistos embarcando no bólido e, numa nuvem de poeira, sumirem para nunca mais serem vistos.
Ainda me pergunto por que, na madrugada desta quarta-feira, 9 de julho, acordei-me para escrever esta história.
Sim, por quê?