Revolta e comoção marcam enterros de vítimas da tragédia
“A gente estava junto em um churrasco e ele decidiu dar uma esticadinha na boate. Saiu do churrasco 1h30 e foi para lá. Não devia ter ido, devia ter ficado junto com a gente”, lamentava Everton Revelante, amigo de Silvio Beure, o Silvinho. O rapaz, que gostava de piquete e tinha levado amigas para conhecerem o local, morreu cerca de meia hora depois, no banheiro da boate, asfixiado com a fumaça tóxica do incêndio.
A poucos metros do túmulo onde Silvinho era enterrado, o soldado Leonardo de Lima Machado recebia a salva de tiros dos companheiros militares. Ele estava se divertindo com a mulher na boate quando o incêndio começou. Ele retirou a esposa do local, mas voltou para ajudar outras pessoas e não conseguiu mais sair. “Era uma pessoa competente, disciplinada, muito querida por todos do batalhão”, contou emocionado o sargento Lenois Cassol, que era colega de batalhão de Leornardo.
É difícil encontrar alguém em Santa Maria que não tenha perdido um amigo, parente ou conhecido na tragédia. Nos enterros, além de namoradas, mães, pais e irmãos inconformados, vizinhos e amigos demonstram perplexidade com o episódio. Pai de duas filhas com idades próximas às da maioria das vítimas, João Carlos Côvolo vai passar boa parte do dia acompanhando enterros no cemitério municipal.
“Fui no velório ontem, já fui a dois enterros hoje e vou a mais um hoje a tarde”, contou ainda chocado com o que aconteceu e aliviado por não ver as filhas entre os mortos. “Eu tenho duas filhas, de 23 e 28 anos, e graças a Deus no sábado elas não estavam lá, mas era um lugar onde elas sempre encontravam os amigos”, contou. O alívio, no entanto, não apaga a imagem de dor de amigos que perderam filhos. “Fui a pouco ao enterro de dois irmãos, de 17 e 19 anos. Um fazia agronomia e outro tinha acabado de entrar para direito. É muito triste”, completou.
Além da consternação, a maioria das pessoas também se mostrava confusa com a profusão de boatos e notícias que correm pela cidade – de que não havia extintores de incêndio funcionando na boate e que os seguranças impediram a saída das pessoas por achar que se tratava de uma tentativa de não pagar a conta. Para Cirineo Anversa, de 74 anos e morador de uma cidade próxima a Santa Maria, é inexplicável que ninguém tenha impedido a casa noturna de funcionar sem um plano contra incêndio.
“Eu fico admirado. Lá na lavoura, se você faz um armazém, os bombeiros vão lá ver se tem extintor, mangueira de incêndio, tudo certinho. E um clube como esse, que entra 1.500 pessoas, deixam funcionar desse jeito, com porta estreita para sair, sem extintor funcionando. Era isso que eles deviam olhar”, apontou o aposentado.
O governador do estado, Tarso Genro, e senadores do Rio Grande do Sul visitaram as famílias no velório hoje e defenderam mudanças nas regras para liberação de alvarás para casas noturnas, além de melhorias na fiscalização municipal.