A divisão da esquerdo – Jorge Vignoli
Uma caçoada diz que, quando duas pessoas de esquerda conversam, haverá três dissidências. Gracejo à parte — como se a História humana fosse a essência da concordância —, é quimérico buscar unir, na plenitude, a esquerda e a centro-esquerda no Brasil. Prova disso é que, até agora, PDT e PT andam às turras, em comportamento tão estéril quanto um cão a correr atrás da própria cauda.
Uma liderança de esquerda vem ganhando espaço. Falo de Marcelo Freixo, do PSOL, que parece não possuir o ranço agastado do político extremado.
Acompanhei, há tempos, um diálogo entre Freixo e Janaína Paschoal. Com todo o antagonismo que há entre ambos, foi uma troca de ideias em tom cordial, sem agressões, embora a destemperada deputada, no dia seguinte, vociferou contra as posições do deputado com adjetivações que, no encontro amistoso, parece não ter tido a ousadia de falar.
E está na internet uma entrevista de Freixo concedida a Marco Antônio Villa. Villa, como Freixo, é professor de História. É também escritor. É autor, entre outros livros, pouco mais do que um ensaio pobre sobre a trajetória de Jango. Esse opúsculo peca porque Villa deixa à mostra, digamos assim, pouca familiaridade com a História do Rio Grande, o que leva o livro a ter uma visão embaçada da figura central, ou até mesmo, como paulistano que carrega a derrota de 32, quem sabe, Villa no seu inconsciente, traga algum desprazer mal resolvido com os gaúchos (engraçado: São Paulo também comemora, em feriado estadual, uma “revolução” que não venceu).
Refluindo a Freixo, o professor Villa cedeu seu espaço na internet para conversar com o deputado. O assunto foi em torno das milícias do Rio de Janeiro. Freixo domina o complexo e arriscado problema, sendo o tema uma das suas plataformas como deputado federal.
Durante a entrevista, Villa indagou se o crescimento da criminalidade no Rio de Janeiro não teria o seu início a partir do que seria a “inação” do primeiro governo Brizola e sua “leniência” com a criminalidade.
Na compreensão do deputado, que enfatiza jamais ter sido partidário do governador, o crescimento do tráfico de cocaína e, portanto, a valorização econômica da droga, começou no início dos anos oitenta, quando o declínio do autoritarismo era uma realidade. A expansão do tráfico de drogas tornou-se, a partir daquele período, um negócio altamente lucrativo, e as disputas entre as facções pelos pontos de venda se agravaram.
É nesse cenário que Brizola elege-se governador, e passa a defender os moradores das favelas. Se, naquele momento, o Brasil vivia a abertura e a reconquista da cidadania, os moradores das favelas tinham que ser respeitados pela autoridade repressora.
No governo Brizola, relembra Freixo, para a Polícia entrar na casa do favelado, somente com ordem judicial. Quer dizer com isso que a Polícia não teria de ir à favela? Não, pelo contrário, mas a ação policial diante do povo humilde e trabalhador haveria de obedecer à conduta legal, como em qualquer outro lugar do Rio, fosse no Cantagalo ou no Leblon.
Freixo aprofunda, ainda, o pensamento, a dizer que, com construção dos CIEPs e o ensino de tempo integral, o Estado estava presente nas favelas e nas periferias do Rio de Janeiro, a oferecer a educação, ainda que se possa discordar, pontualmente, da concepção dos CIEPs, mas não do seu conteúdo em si. Freixo, portanto, concorda e, na sua visão, exime o governador da responsabilidade pelo crescimento da criminalidade no Rio.
A entrevista de Marcelo Freixo a Marco Antônio Villa parece desafiar o aforismo de que as esquerdas não se entendem em nada, nem quando estão na cadeia.