Ajudem-me a lembrar
E antes que eu dissesse não,
Se instalou feito um posseiro…”.*
O jovem homem, silencioso e sorrateiro, à sombra ainda difusa do amanhecer, chegara na pequena e desconhecida cidade. De seu, trazia às costas uma mochila, cingida por um grosso cobertor.
Sem muito alarde, granjeou a confiança de um idoso e influente casal, em troca de alguns pequenos serviços. Sua estampa simpática e os forçados salamaleques fizeram-no, por recomendação, cair nas graças do Caseiro da Casa Grande.
Ah, é preciso dizer: a Casa Grande era controlada, na prática, pelos moradores do Castelo, este o mais cobiçado lugar por todos os aldeães.
A Casa Grande fora, até então, uma próspera oficina de artes: a dança, a música, o canto, o teatro, os saraus e as tertúlias. E o Caseiro tão somente se contentava de portar-lhe as chaves.
Com o tempo, o jovem recém-chegado tornara-se muito próximo do Caseiro, convidando-o, ao entardecer, para irem a Taberna para entornar uma, tão somente uma, talagada de conhaque para aquecer corações e mentes. Porém, numa noite gélida de rigoroso inverno, de talagada em talagada, segundo o Taberneiro, aqueles então parceiros entornaram mais de dez.
Na manhã seguinte, o Caseiro foi encontrado caído nobrete por onde, no decorrer das madrugadas – e isso todos os aldeães sabiam! –, o pesado gado era conduzido para as mangueiras e marcação. Morto!
Do Castelo veio o brado: “Se não tem tu, vá tu mesmo!”.
E o simpático e salamalequeiro jovem homem, já não mais um desconhecido, apossou-se das chaves da Casa Grande.
Queria, acima de tudo, ser diferente do que, até então, fora o Caseiro morto. Desenferrujou trancas, aprumou portas e limiares, coloriu paredes. O Castelo era a meta de suas estratégias, ainda que custasse o silêncio do Grande Menestrel, do calar da Doce Cotovia e da desmotivação dos Artistas que ali vislumbravam a sua Casa.
De uma das salas do Castelo vinham grunhidos de contentamento que os sombrios corredores impediam a propagação. Os aldeães, o generoso e influente casal, o Menestrel, os Pintores do Arco-Íris e a Doce Cotovia a tudo desconheciam, sequer detinham a mais leve suspeita, apenas os por quês volitavam ao sabor dos fortes e negros ventos.
Esta é a trama de um filme europeu a que assisti nos cinemas na década de oitenta. Irrompeu do nada o desejo de rever este drama, quem sabe em DVD? Esqueci, no entanto, o nome do filme. Por isso, se algum generoso leitor, por associação do que narrei, já o tenha visto, ajude-me a lembrar o título.
Ou será que isso nunca foi uma trama cinematográfica e não tenha passado de sonhos (ou pesadelos) deste irrequieto escrevinhador?
*Teresinha – Composição de Chico Buarque de Holanda