Cao Hering escreve, eu transcrevo
Isso nunca! Não compartilho, no entanto, com o extremado mau gosto do anedotário que as redes sociais estão expelindo.
Fora, pois, com alento que, li o artigo do jornalista Cao Hering, do Jornal de Santa Catarina (Grupo RBS) e certifiquei-me que temos o mesmo ponto de vista, razão pela qual o transcrevo na íntegra.
Judas
No dia 29, sábado, ouvi em edição extraordinária pela CBN a notícia sobre a doença de Lula. Como é sabido, por imposições técnicas, entrego esta coluna quase uma semana antes de sua publicação. Assim, caro e paciente leitor, quando eventualmente chegar a suas mãos, a situação do ex-presidente estará bem mais detalhada, perscrutada à exaustão pela mídia – e este texto, defasado.
Há muito você tem ciência, não é segredo, da minha antipatia pelo personagem e disso não posso me furtar. Antes das indignações de praxe, no entanto, repito: minha birra com o exótico ex-presidente nada tem a ver com ideologias, mesmo porque cartilhas partidárias por aqui são meras formalidades, nem mesmo os abrigados pelas siglas se interessam por seus conteúdos. Meu desconsolo com Lula da Silva vem do seu comportamento deplorável a partir do momento em que o Brasil lhe passou o cetro. Caso interesse, torço pela Dilma.
E aconteceu, todo mundo viu. Com a moléstia tornada pública, as redes sociais, em sua característica mais cruel, desandaram a malhar Lula, visivelmente por conta da cascata de mentiras e impropérios proferidos ao longo de seus dois mandatos. Lula, o Judas daquele sábado de aleluias virtuais, começava a ser arrastado friamente pelo ciberespaço, fazendo saltar sapos entalados. Do discernimento adquirido pelos anos pouco me sobrou naquela hora, e também joguei na rede meus demônios. Só me lembrava do homem debochando grosseiramente das pessoas, dos antecessores, das instituições e da Constituição por oito longos anos. E o sistema de saúde ao relento.
Mesmo assim, diga-se: Lula prometeu e cumpriu. Sua política ampliou o mercado interno e pôs mais gente na classe média sem romper com a democracia liberal, a despeito de todas as falhas do PT no combate à corrupção. Só que Lula ria-se das leis, fez pouco da educação e do conhecimento. Não via adversários, só inimigos.
Sua presença, independente do ambiente, deixava invariavelmente um rastro de constrangimentos. Lula governando, carregava o ódio nas vísceras, facilmente perceptível em suas feições. Gravações feitas nos bastidores mostram declarações chulas e degradantes só comparáveis a bate-bocas de rua. Pra quê? Nunca se comportou como estadista, como se outorgou. Meteu-se numa vaidade infantilmente insuportável, comparando-se aos maiores ícones da História. Em seu narcisismo pueril julgou-se o mais influente e decisivo dos brasileiros. Antes de pensar o Brasil, Lula pensou Lula.
Reconheço, em meus instintos mais primitivos, à Roberto Jefferson, de súbito, me vi farinha do mesmo saco quando aderi ao coro dos humores negros, das gaiatices e dos trocadilhos maldosos. E, confesso, à Chico, sussurrei versos e trovas no breu da toca do meu escritório.
E, à Drummond, perguntei, “e agora, José?”. Mesmo assim, enquanto o descaso e o despreparo matam nas filas do SUS, Lula habita o panteão da nomenclatura. Uma junta médica lhe dá tratamento só concedido a reis e papas. Não é mais um homem comum e, provisoriamente em trono horizontal, travestido de altruísta, ordena a transparência da sua condição. Agora? Por que não a adotou em suas coletivas, de frente para os jornalistas?
A maioria do que pulula a respeito de Lula na internet é impublicável. De recorrente e inofensivo só mesmo as irônicas sugestões para que ele se trate pelo SUS, o sistema “próximo da perfeição”, como ele mesmo vaticinou inebriado. E eu seria um fariseu, insano e incoerente, se hoje negasse minha natureza: a de não admirá-lo, ao contrário de milhões de brasileiros exaustivamente consultados.
Não posso.