João e Maria nas Trevas – Sergio Agra
JOÃO E MARIA NAS TREVAS
Capítulo XVI da Série As Crônicas de Aleph
Naquele tenebroso período Aleph encontrava-se matriculado no então conhecido Colégio Público Padrão. Após um frustrado ano no Curso Científico — a Química, a Física e a Matemática decididamente não eram suas “praias” —, transferira-se para o Ensino Clássico.
O Colégio era reconhecido pelos agentes da ditadura militar como um grande e perigoso foco de infiltração comunista, razão pela qual fora decretado o fechamento do Grêmio Estudantil. Em resposta, Aleph e mais alguns poucos colegas fundaram um centro de atuação, o CAJU — Centro de Atuação Juliana. Promoviam palestras abertas com conhecidos jornalistas que não comungavam com os ditames do Regime de Exceção. O CAJU editava e distribuía um jornal panfletário onde Aleph redigia seus primeiros textos de opinião.
Após as vivências no CAJU fora o teatro o propagador para que ele expressasse suas inconformidades com os padrões impostos por uma sociedade sufocada pelo autoritarismo da hora. “Beto“ — rufião que vizinhava com o tráfico pesado de droga — fora a personagem da peça A Fossa e que conferiu a Aleph premiação de Melhor Ator. Os ensaios do Teatro Novo, realizados no salão paroquial da Igreja São Sebastião granjearam as bênçãos do pároco, homem à frente do seu tempo, que vislumbrara no texto o grito de alerta dos deserdados do sistema.
Após quatro estressantes meses de ensaios chegara o dia da Pré-estreia. Esta compulsória e exclusiva apresentação servia para a concessão do Alvará que somente era concedido pelo Departamento de Censura e Diversões Públicas. Naquela noite,restando uma semana para a estreia, sentaram-se na primeira fila os três funcionários daquele Departamento ladeados pelos dois silenciosos e sinistros arapongas do Serviço Nacional de Informações — SNI. Eu, por prudência, me deixei permanecer oculto atrás de uma das vigas de sustentação. A cada olhar entre si dos agentes do SNI os censores arrancavam folhas e folhas do script e com desdém as lançavam ao chão. Ronald R., o autor e diretor do Grupo, em tempo recorde reformulou o que fora vetado. E o elenco, superando limites, ensaiou as novas falas, caso contrário…
Calem-se!