Meia-noite em Porto Alegre - Sergio Agra - Litoralmania ®
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Meia-noite em Porto Alegre – Sergio Agra

Gil Pender é um jovem escritor e roteirista americano que vai com Inez, sua noiva, e a família dela a Paris, cidade que idolatra.

Ele sai sozinho para explorar a cidade e descobre que, surpreendentemente, ao badalar da meia-noite, é transportado para a Paris de 1920, época e lugar que considera os melhores de todos e conhece um grupo de estranhos que são, na verdade, grandes nomes da literatura.

Nessas “viagens”, Gil vai a várias festas onde conhece inúmeros intelectuais e artistas que admira e que frequentavam a cidade-luz naquela época, como F. Scott FitzgeraldGertrude SteinErnest HemingwaySalvador Dali, e outros. Gil se apaixona por Adriana, uma bela moça do passado, e é forçado a confrontar a ilusão de que uma vida diferente (a “época de ouro” francesa) é melhor do que a atualidade.

Esta é a sinopse do filme ‘Meia-noite em Paris’, direção de Woody Allen, disponível no streaming Netflix.

As saudades de minha cidade levaram-me também empreender um tour Porto Alegre by Night. Em que pese aquela ser a noite de antevéspera do feriado do Natal, as ruas mostravam-se estranhamente caladas, silêncio este apenas rompido pelo clangor dos rolamentos sobre as esteiras metálicas dos blindados militares e das rodas dos bondes sobre os carris.

Como? Tanques do Exército? Bondes nas ruas de Porto Alegre?

Colado às costas da banca de revistas fronteira à Praça Dom Feliciano o pôster da matéria de capa do jornal Correio do Povo para o dia seguinte apregoava: “A funesta consequência do discurso do Deputado Márcio Moreira Alves que tornou a ditadura ainda mais dura: o AI-5! Edição de 22 de dezembro de 1968”.

Nisso, o homem com bigodes à Dali, perto de seus trinta anos de idade, trajando camisa branca ornada com jabots sob o colete que lembrava o de um bailaor, me estendeu o convite, — “Tem festa lá em Casa hoje! Estás convidado!”. E seguimos pela Avenida Independência…

Cruzamos primeiro a Rua da Conceição e ao transitarmos pela frente do pórtico da Igreja o desconhecido traçou um estapafúrdio em-nome-do-pai-do-filho-do-espírito-santo-e-da-falange-de-oxum-ore-yèyé’.

Em seguida, ele sacou da carteira o cigarro que afixou na finíssima piteira de ônix com incrustações em dourado e pôs-se a fumar.

No Bar Líder, na esquina da Avenida Independência com a Rua Barros Cassal, os leais apreciadores do chope reverenciavam solenes a dourada e espumosa bebida. — “Esta avenida — o desconhecido me esclareceu — é o olimpo das noites alegre-portenses!”.

Entre uma baforada e outra ele prelecionava — “Antes de chegarmos à minha Casa, passaremos pelas danceterias ‘Crazy Rabbitt’ e ‘Whisky a Gogo’. A seguir, daremos um ‘Oi, Maluco!’, ao genial Carlos Heitor Azevedo, na Baiuca, e ao Edmundo Rien, na La Locomotive”.

Enquanto subíamos a avenida, com sarcasmo, traço marcante da sua personalidade, meu cicerone lascou, — “Você percebeu que todo esse lado bom que a vida nos oferece se encontra à nossa esquerda? Somente a sopa de cebolas da Tia Dulce, que de reacionária não tem nada está vendo? , fica à direita? Assim mesmo, todo o cuidado é pouco! Os néscios dos arapongas da ditadura podem se confundir e aí as coisas se complicam!”.

Finalmente chegamos a “Casa” da excêntrica figura. Do alto de seus metro e noventa o homem trajando terno e gravata pretos cumprimentou, — “Boa noite, Professor Roberto, o Senhor Sommer o aguarda nos escritórios. Lá também se encontram os Senhores Vinicius de Morais, Dorival Caymmi, Dick Farney, Tito Madi, o Quarteto em Cy e as Senhoras Elizeth Cardoso, Nara Leão, Elis Regina e o Jornalista Paulo Gasparotto”.

Por vez primeira adentrei o prédio da Avenida Independência, 936, primer piso desacensor, a “Casa” do Professor Roberto Valfredo Tatata Pimentel: A eterna e jamais imitável Encouraçado Butikin.

Como Gil Pender, o protagonista do filme, eu gostaria de reviver aqueles Anos Dourados, apesar de você, apesar de você, amanhã há de ser outro dia, você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia. Como vai se explicar, o céu clarear, de repente, impunemente. Como vai abafar nosso coro a cantar…

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