O refúgio
E foram dias dolentes. Como se não fosse suficiente o vexame da fuga e da privação do recreio, eu tinha que suportar, durante quinze ou vinte minutos, o impregnado cheiro do líquido segregado pelos rins, misturado com o odor provocado pelos resíduos inúteis expelidos pelo corpo. Mas sendo guri numa situação dessas, a única coisa que abalava realmente era ser perseguido pelos perversos colegas.
Mas era ali, na solidão do pequeno cubículo, que também se encontrava o refúgio e o esconderijo perfeitos. E eu ficava sentado no vaso sanitário, pacientemente, esperando a hora passar, até a sineta tocar para o retorno à aula.
Para a minha surpresa, nesta semana, a senhora Marta Suplicy, de linhagem nobre e família abastada, senadora da Republica, lembrou-me os tempos de colegial. Pois a digna parlamentar, presidindo uma plenária do Senado, depois de fingir que nada ouvia sobre a corrupção no ministério do Turismo, para fugir dos jornalistas ávidos de uma palavra da senadora, foi se esconder no banheiro da Casa.
E fico imaginando com o quê a senadora ocupou seu tempo no cárcere privada – desculpem-me, privado – autoimposto? Certamente retocou a maquiagem, olhou-se no espelho, pôs a língua para fora, levantou, de perfil, a ponta do nariz, fez careta e xixi, analisou seu botox; olhou o relógio e se desesperou com o tempo perdido.
A fuga rumo ao banheiro foi hilária, e sintetiza a condição surreal do nosso mundo político. Ao ver uma cena como essa, protagonizada por quem, de ofício, deveria dar exemplo, me vem a certeza de que, dia mais, dia menos, o Congresso será submetido à ira santa do povo.
Agora, senadora Suplicy, se é constrangedor explicar-se aos jornalistas e a quem a elegeu, não precisa esconder-se no toalete, tenha calma: “relaxe e goze”! Ou então, esconda-se em outro lugar mais seguro, porque a Polícia Federal anda arisca…