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Pessach, Ostern, Páscoa…

A PÁSCOA É UMA FESTA CRISTÃ OU PAGÃ?

Semelhante ao Natal a Páscoa, apesar de ter o caráter cristão de hoje, também está relacionada aos tempos do paganismo Indo-Europeu, principalmente dos povos germânicos. Em português o nome Páscoa está ligado etimologicamente a festa judaica da “Pessach” (passagem), que celebra a passagem do povo hebreu pelo deserto do Sinai durante 40 anos, que é contado no livro de Êxodo, na Bíblia.

A morte de Jesus em uma Páscoa judaica foi associada pelos primeiros seguidores de Cristo, antes de tudo também judeus como ele, como a imolação do cordeiro pascal realizado nessa festa. Jesus Cristo era o cordeiro (o filho) de Deus sacrificado para remissão dos pecados do homem. Sua suposta ressurreição no domingo de Páscoa foi assim associada a um ritual de passagem.

Em 325 d.C., no Concílio de Nicéia, famoso por proclamar muito dos dogmas cristãos, definiu-se também a data da Páscoa. A Páscoa, que encerra o que se denominou de a Paixão de Cristo com sua Ressurreição, ocorreria de acordo com o calendário lunar, conforme a tradição judaica, no primeiro domingo após a primeira lua cheia da primavera no hemisfério norte. Essa data variável ocorre entre 31 de março e 25 de abril.  No entanto, no hemisfério sul, nosso caso, a estação é o outono o que faz com que percamos a compreensão de alguns dos símbolos/significados dessa época.

A DEUSA DA FERTILIDADE

Ao contrário das línguas com origem no latim, como o italiano, o espanhol e o próprio português, onde o nome da festa recebe influência da palavra hebraica Pessach – daí Pasqua, Pascua e Páscoa respectivamente – as línguas saxônicas, como o alemão e o inglês, usam outra palavra para designar a mesma festa, demonstrando a forte influência pagã. Para os alemães Páscoa é Ostern, para os ingleses Easter.

A religião dos germanos, assim como demais povos da antiguidade, estava geralmente ligada a produtividade da terra e os ciclos de plantação e colheita.  Natural que sua religião fosse o reflexo disso. Ostern, ou Easter, origina-se do nome da antiga deusa germânica da fertilidade Eostre ou Ostara. Eostre estava relacionada ao inicio da primavera (no hemisfério norte), e ao  Eostemonat o mês germânico para essa deusa. Apesar da cristianização, realizada sob a força da espada ainda até o século IX, os alemães, e suas antigas tribos, continuaram a acreditar em seus antigos deuses e tradições, guardando as datas dos solstícios e equinócios, alguns ritos e também símbolos sagrados.

Como exemplo dessa simbologia temos o carvalho. O carvalho era cultuado pelos antigos celtas, era um santuário/templo. Quando os primeiros padres cristãos entraram na germânia para a evangelização tiveram de aceitar certos “dogmas” pagãos, o que se transformou em uma espécie de sincretismo religioso. A própria igreja se utilizou disso para popularizar o cristianismo associando-o aos velhos costumes (mitos e lendas) pagãos. 

A igreja procurou aos poucos eliminar alguns costumes e símbolos. Alguns, no entanto, permaneciam intocáveis. O carvalho foi um deles. Conta-se que quando os pregadores de São Bonifácio (672-755), o Apostolo da Germania, tentaram cortar um carvalho para erigir uma igreja no local foram mortos por aldeões que eles haviam “cristianizados”. Muitas igrejas na Alemanha, principalmente em áreas rurais, ainda tem até hoje ao lado do “templo cristão” (a igreja) um “tempo pagão” (o carvalho). A simbologia da Páscoa é outro exemplo, mesmo que ocultos, a maioria dos símbolos da Páscoa são pagãos.

OS OVOS, O COELHO, SEMPRE A FERTILIDADE E O RENASCIMENTO

O costume de utilizar ovos como presente também é uma tradição dos povos germânicos (alemães, austríacos, etc..) e dos povos eslavos (ucranianos, poloneses, etc..). Esse costume tem origem, ainda, em tradições pagãs relacionadas à deusa Eostre, deusa da fertilidade a qual o ovo, origem da vida, é símbolo.   O coelho, ou a lebre, igualmente estariam associados à deusa, devido a sua notória fertilidade. No entanto sabe-se que povos da antiguidade, como os persas e romanos, também já tinham esse costume de utilizar o ovo como presente a ser dado na época da primavera, época sempre associada pelos povos antigos como de renascimento, florescimento e fertilidade.

Ora, os germânicos estavam aceitando o cristianismo como religião mantendo os significados de sua antiga cultura, e a Páscoa (Ressurreição de Cristo) foi associada ao Eostemonat (florescimento/renascimento da vida).  Da mesma maneira que Cristo havia vencido a morte (a Paixão na Cruz) renascendo para a vida eterna na Páscoa (a Ressurreição), a primavera era uma passagem da morte (inverno) para a vida (verão) representada na festa para a deusa Eostre.

Com símbolos pagãos e mensagem cristã a Páscoa foi agregando ao longo dos séculos vários outros costumes, variando de um país para outro. Tendo em sua última roupagem os ovos de chocolate, que teriam sido um costume criado na França moderna.

TRADIÇÃO ALEMÃ I

Na segunda feira última (06 de Abril) fiz uma visita até a casa da vó para conversarmos sobre a Páscoa. Ela lembrou da infância na década de 1930, em Maquiné, e eu revivi a minha, em Osório. Em comum, tradições que vem sendo repassadas de geração em geração.

Minha avó, Sidônia Klagenberg Trespach, tem hoje 80 anos. Ela nasceu em 1928 no interior de Maquiné, no Morro do Cantagalo. De infância humilde, foi criada nos costumes da igreja luterana, onde participou ativamente do coral desde cedo. Apesar das dificuldades recebeu e repassou tradições seculares.

TRADIÇÃO ALEMÃ II

Nos dia que antecedem a Páscoa são confeccionados os doces que fazem parte dos presentes que recebem todas as crianças – filhos e afilhados – normalmente até que tenham feito a primeira comunhão, que nós luteranos chamamos de Confirmação (Konfirmation). Aliás, esse “ritual” era seguido de perto pelos curiosos, entre eles eu, meu irmão e primo.

Eram cucas, bolachas, cartuchinhos de amendoim e, é claro, os avos de galinha pintados – na Alemanha o costume era o ovo de gansa. O ovo podia ser cozido ou recheado de amendoim e ter adereços como a palha ou formas de papel. Na época da vó como corante usavam-se flores. O amarelo, por exemplo, era extraído da raiz da flores “Flecha” ou “Cavalinho”, que eu não identifiquei o nome científico. No meu tempo a vó já utilizava as tintas industrializadas. Com as folhas das flores se enfeitavam os ninhos que eram feitos de barba-de-pau, ou barba-de-velho (a Tillandsia usneoides L.), estes preparados pelas próprias crianças. Eu já usei caixas de sapato e papel picado.

Eram pintados nos ovos desde símbolos cristãos até motivos abstratos, variando de região para região. São bem conhecidos os ovos pintados pelos ucranianos, com seus desenhos multicoloridos. Os que recebi, e meu filho recebeu até o ano passado e espera receber esse ano também, foram sempre muito simples, nada de desenhos muito elaborados.

Na Sexta-feira Santa era proibido realizar qualquer tipo de trabalho. Não se ia para a lavoura, pois não era permitido cavar ou fazer buracos no solo, o que impedia qualquer plantação; não se cortavam árvores ou qualquer das atividades costumeiras da colônia; igualmente não se podia realizar o abate de aves, porcos, ou gado. Sequer era permitido varrer o chão ou pentear o cabelo. A alimentação, que não poderia ter carne, era baseada no peixe, ou na falta dele, em uma “sopa rala”, feita de arroz e feijão miúdo. O pensamento era de que Cristo havia sofrido por todos na cruz, e nesse dia havia necessidade de respeito e reflexão. Realmente um costume rígido, que em minha infância já era bem mais tolerante. Certo é que a vó não gostava que jogássemos futebol nesse dia, o que era um problema quando se está na infância ou adolescência.

Na colônia o Sábado de Aleluia era recebido com alegria, especialmente porque passara o tempo do jejum da Sexta-feira Santa e chegara o dia da carneação do porco que seria preparado para a Páscoa.

A ansiosidade era imensa, e chegado o domingo de Páscoa (o Ostersonntag em alemão) as crianças tinham de ir a casa dos padrinhos buscar o seu “ninho”, um pouco diferente de hoje onde normalmente os padrinhos levam o presente até o afilhado. Lembro que uma vez tive que “visitar” o padrinho três vezes até que finalmente pudesse receber o ovo de Páscoa. O Jr. também já tem hora marcada para levantar no domingo e buscar o dele.

Ao contrário do Natal, onde a Stille Nacht, Heilige Nacht (Noite Feliz) e o Tannebaum (Pinheiro de Natal) eram entoados no culto, na Páscoa não há hinos tradicionais ou tão simbólicos quanto aqueles. Ao contrário da Igreja Católica, também não há procissões ou maiores manifestações. A Páscoa é uma festa de reflexão, e a liturgia é menos festiva do que a do Natal.

Bom, a ideia dessa coluna foi contar um pouco sobre a História da Páscoa, ao menos uma de suas muitas versões, e também um pouco da Páscoa da minha família. Espero que também tenha servido de reflexão.

Uma Feliz Páscoa a todos!
Ou se quiserem dizer em alemão Ein Frohe Ostern für alle!

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