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Primeiro dia de aula

Como é dura a vida de estudante, principalmente daqueles que dependem do sistema público, pois além de sofrer com as mazelas do ensino tem de se submeter à prova do Enem, com repetidos erros a cada ano, agravados por um ministro vocacionado a trapalhadas. Fosse eu estudante – e pudesse – daria zero a esse ministro da Educação; e ministro que não alcança a nota, está fora – rua! E a prova do Enem é apenas mais um dos muitos obstáculos que surgem já a partir do primeiro ano da escola. E comigo não foi diferente…

Recordo que carregado pela mão do meu irmão fui levado para o primeiro dia de aula. Confesso que, com seis anos de idade, nunca havia entrado em um colégio. E a lembrança primeira que guardo é a de um pátio enorme, onde ficavam simetricamente plantadas seis ou oito árvores; em seus redores, bancos de madeira. A correria e a gritaria das crianças mais velhas ainda soam vivas em meus ouvidos, sempre que relembro a cena.

Meu irmão, visivelmente aborrecido em cumprir a ordem dada por meus pais, tratou de sentar em um dos bancos e, impaciente, passou a aguardar a sineta tocar. Tímido, fiquei indeciso; afinal, não conhecia ninguém, nenhuma outra criança com quem pudesse brincar e dividir a minha angústia.

Bate o sino. Meu irmão me apanhou pela mão e saiu atrás da turma e da fila onde eu deveria ficar. Outras pessoas também faziam o mesmo com suas crianças. Fui levado a um corredor sombrio onde se formou a fila. Meu irmão conversou alguma coisa com uma mulher alta, loira, bonita (depois viria a ser a minha primeira professora), que estava à frente da fila. Ela conferiu uma lista que trazia nas mãos, e confirmou que o meu lugar era ali mesmo.
Meu irmão, agora descontraído, passou por mim e alertou: – é aqui a tua fila; aquela senhora, lá na frente, é a professora, o que ela disser, fazes. Tchau!

Lembro de outros adultos que acompanhavam suas crianças – agora meus companheiros de fila – e repetem o mesmo gesto do meu irmão. Ao ser deixado no colégio naquele início de vida escolar, talvez pela primeira vez tenha sentido a dor do abandono. Estava só. Se precisasse de algo, não saberia a quem recorrer; martelava-me na cabeça as palavras: é aqui a tua fila; aquela senhora, lá na frente, é a professora, o que ela disser, fazes…

Tive uma vontade quase incontida de chorar; um nó na garganta me sufocou. Pensei obstinado: não vou chorar! Por um momento, quase capitulei; mas heroicamente – modéstia à parte – fui um dos poucos alunos naquela tarde que resistiu ao pranto. Por um momento, o choro da gurizada era quase uma orquestra desafinada, deixando em reboliço a professora.

Na metade dos anos 50, o primeiro dia de aula era assim: as crianças postas à fila, após a sineta tocar; os familiares se despediam; e o resto ficava por conta da professora, e da vida…

A maioria das crianças naquela tarde entrou na sala de aula soluçando. Alguns dias depois, fui chamado para a um teste. Mandaram-me que repetisse alguns gestos soltos no ar, sons e palavras. Desenhei qualquer coisa num papel, e acabei por ser classificado para cursar o primeiro ano “A”, o mais adiantado!

E foi um ano doloroso, onde as aulas se arrastavam. Agoniava-me ficar sentado tardes inteiras, com o pensamento disperso, esperando a hora de sair. E havia o aborrecimento das lições de casa e das sabatinas.  A minha motricidade não permitia que fizesse a “dobrinha” em cima da letra “o” minúscula.

Mas ao fim do ano letivo fui aprovado. Em dezembro, houve solenidade para a entrega dos conceitos. Lembro-me que cada um dos meus colegas foi chamado para receber, além do boletim, uma medalhinha de distinção; menos eu. Nunca soube a razão; talvez porque não soubesse desenhar a voltinha do “o”.

Mas bem que merecia ser agraciado – e com distinção! Afinal, fui um dos poucos – bravamente – que no primeiro dia de aula havia resistido ao choro.

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